sábado, 25 de abril de 2009

As Lideranças Mundiais e suas organizações

"As Novas Lideranças Mundiais pós-reunião do G-20" (o papel do presidente Lula neste novo contexto - a união Brasil-EEUU e suas conseqüências para a AL, o OM e a África...)”. Essa foi a pauta que recebi de um dileto amigo, pedindo-me para discorrer sobre esse assunto. Muito embora não seja um especialista nesse temário, nem tenha livre trânsito pela política internacional, gostaria de formular a minha particular opinião acerca da solicitação encaminhada.

É sempre bom conservar certo distanciamento entre as primeiras reações que ocorreram, concomitantemente à reunião da cúpula do G-20, em Londres, no dia 2 de abril do corrente ano, e seus resultados mais duradouros. Certamente a mídia mundial acompanhou de perto a simples presença de inúmeras personalidades ao Encontro, que desfrutam de repercussão em nível mundial e que fizeram o seu show à parte. E todos já sabem que a grande figura estelar foi mesmo o presidente Barack Obama, procurando validar o seu carisma após recente disputa acirrada que o levou à Casa Branca. Foi nesse mesmo encontro, classificado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, como sendo de “avanços significativos” que o presidente Barack Obama teceu elogios ao presidente Lula.

Foi um momento registrado pela BBC em que ambos se cumprimentaram, um pouco antes do início da reunião do G20, em uma sala de conferência do Excel Center. Obama troca um aperto de mãos com o presidente brasileiro, olha para o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, e diz, apontando para Lula: “Esse é o cara! Eu adoro esse cara!”. Em seguida, enquanto Lula cumprimenta Rudd, Obama diz, novamente para Lula: “Esse é o político mais popular da Terra”. Rudd aproveita a deixa e diz: “O mais popular político de longo mandato”. “É porque ele é boa pinta”, acrescenta Obama. Isso tudo aconteceu após o primeiro encontro entre ambos, ocorrido há apenas três semanas.

Após essa passagem, o presidente Lula circulou com desembaraço entre os dezenove mandatários presentes. E, para culminar esse momento de notoriedade, Lula ainda aparece na foto oficial sentado ao lado da rainha Elizabeth II. Esses episódios foram suficientes para que muitos interlocutores começassem a se perguntar se o reconhecimento do carisma de Lula, junto a outros estadistas, não seria o prenúncio de que os principais mandatários de países desenvolvidos já estariam passando a ver mais respeitosamente o presidente de um País considerado até agora emergente? Na mesma linha, se já não seria uma forma de reconhecer a melhoria do Brasil no ranking mundial? E se já não teria chegado a hora de o País estar sendo dividido, em sua imagem internacional, em “antes e depois do presidente Lula”?

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa, como já dizia a sabedoria popular. Nem tanto céu, nem tanta terra. A última reunião do G-20 foi considerada histórica, pela presença de novos e populares líderes de nações que certamente exercem influências na trajetória de nossa aldeia global. Mas frente a essa notoriedade, é o próprio presidente Lula quem relativiza a importância atribuída aos elogiosos tratamentos a sua pessoa. Luiz Inácio Lula da Silva disse que as palavras de Obama só podiam ser interpretadas como uma gentileza ou uma brincadeira e não um reconhecimento de sua importância histórica para o Brasil e para o mundo e, ao final, ainda completou: “tenho consciência do meu tamanho e não consigo entender de outra forma”. Quanto a sua posição na foto, Lula se encontra em final do segundo mandato e é, portanto, o membro mais antigo entre os mandatários presentes.

Resta, pois, deixar os holofotes, os microfones e as câmeras ligadas aos acontecimentos festivos para examinar assuntos da pauta tratada durante o Encontro. A principal preocupação dos mandatários presentes seria a adoção de medidas eficazes e integradas para conter a recessão mundial, restabelecer o crescimento econômico, assegurar a reversão do desemprego e manter o poder de compra dos salários. As deliberações ficaram tão somente na autorização de injetar US$ 1,1 trilhão de dólares para reanimar a economia mundial e auxiliar os mais atingidos pela crise. Como medidas complementares a maior fiscalização sobre as zonas mais obscuras do mercado financeiro e o maior controle sobre os chamados paraísos fiscais.
Esse pacote reveste-se em elemento aglutinador de uma série de providências, levadas a efeito ou anunciadas, que envolvem centenas de bilhões de dólares, de origem de Tesouros ou de Bancos Centrais, para intervenções em instituições financeiras, compras e fusões, resgate de dívidas e proteção aos clientes, sem que tudo isso tenha acalmado os ânimos ou levado estabilidade ao mercado.

Talvez, apesar da ruidosa reunião do G20, marcada pelo brilho estelar de seus participantes, permaneça subjacente a eventual falta de confiança ou reconhecimento dos atuais mandatários em se converterem líderes mundiais para conduzir a economia com segurança e estabilidade até o remanso esperado. Afinal, não se deve confundir carisma e popularidade com liderança e capacidade de articulação de diferentes interesses envolvidos.

E, talvez, ainda, o que se queira discutir é a relação entre política e economia, onde o capitalismo deva passar por profundas alterações, cujo principal articulador, até agora, tem sido os Estados Unidos, assim como revisar-se um processo de desenvolvimento calcado na desregulamentação ampla dos mercados e a formulação de políticas econômicas restritivas, como sempre quis o próprio Fundo Monetário Internacional e o recíproco aparelho do Banco Mundial.

O que se coloca é a maior participação do Estado na regulamentação de mercado, procurando esse fazer resguardar as questões de interesse público e relativizar os interesses privados e, principalmente, maior controle sobre as especulações que operam hoje sem lastro e com o aval de instituições bancárias.
Por certo que tanto Estados Unidos quanto Inglaterra não poderão mais continuar a exercer o mesmo papel preponderante, no sistema capitalista, o que já acena, como reflexo, o surgimento do protecionismo de caráter nacionalista, utilizado na em larga escala na grande depressão norte-americana e que trouxe nefastos resultados.

As novas lideranças mundiais recebem a missão de coordenarem essa verdadeira reorganização do capitalismo financeiro, mas desta vez não totalmente desregulamentado e obscuro, e, sim, refratário e tutelado, a fim de garantir que os sistemas financeiros mundiais estejam mais voltados aos setores produtivos e menos ao especulativo, como deseja o presidente Lula.

A crise será vencida, o capitalismo achará novos caminhos e continuará a estimular os avanços tecnológicos, a geração de novas riquezas e a prosperidade para uma parcela considerável da população mundial. Mas não conseguirá, por si só, evitar que surjam novas atitudes humanas ligadas à ganância e o egoísmo que segregam e discriminam. Por isso precisará de gestores públicos que venham disciplinar questões sociais que ainda não entraram em pauta, como a revisão do modelo de consumo vigente que traz resultados negativos ao ecossistema terrestre. Nem mesmo deixar de dar conta de questões sociais de fundo, como o combate efetivo à fome e à desnutrição, que atinge cerca de um terço da população mundial, o desequilíbrio ambiental, a discriminação racial e o preconceito religioso, a carência de bons serviços de saúde e de educação, em grande parte de nossa aldeia global, notadamente a educação profissional para atender trabalhadores de países emergentes e pobres, capacitando-os a trabalhar em ambientes que utilizam tecnologias mais avançadas.

A recente reunião do G20 pode não ter avançado em alguns aspectos cruciais. Mas serviu para colocar à prova alguns mandatários que estão chegando agora no cenário político. Apesar de atribuir-se a Barack Obama uma verdadeira missão messiânica, de aplacar ânimos, resolver divergências, promover a expansão econômica, combater o protecionismo, vencer barreiras culturais, conter o radicalismo, enfrentar a especulação e o ortodoxismo, suplantar o racismo, evitar a corrida belicista, o novo presidente norte-americano já começa a mostrar a que veio.

Apesar de inexperiente na política, quando em campanha soube ir à Europa como estadista, antes mesmo de promover a sua plataforma em seu País, além de conseguir arrebatar a simpatia das chamadas minorias e dos imigrantes, em território norte-americano, divulgando ao mundo o seu idealismo e o seu desejo de articular mudanças. Depois de eleito iniciou a sua cruzada contra os antagonistas da política norte-americana, utilizando a palavra cooperação como principal substantivo de seu discurso. Pacifista por convicção, conhecedor dos valores ético-religiosos, propugna um mundo melhor e relações mais cordiais entre povos e nações. Só o tempo dirá se a sua habilidade diplomática, o seu espírito de cooperação e a sua disposição em trabalhar por uma economia mais humana se tornará uma inexorável realidade.

Às vésperas de apagar as luzes e fechar a porta, o Presidente Lula trouxe da reunião do G20 o seu dever de casa: testar o seu modelo econômico frente aos efeitos da crise mundial, pela qual demonstra confiança e determinação em debelá-la, embora, na prática, a teoria seja diferente, já que nenhum guru da economia conseguiu ainda fazer diagnósticos convincentes. A tão propalada impermeabilidade, anunciada ao início da crise, a partir de uma reserva de 200 bilhões de dólares, contra trilhões de dólares envolvidos em terreno minado, poderão, certamente, levá-lo a medidas declaradamente desmanteladoras de alianças políticas existentes. Dentre essas o enxugamento das contas públicas, o freio na produção, a ampliação das demissões, a retração nos investimentos, os reflexos em setores ligados às exportações, e, sobretudo, as seqüelas que trarão em sua condição política, tais como a queda de avaliação positiva de governo, embora sua aprovação continue alta, mas com risco de aumentar a sua impopularidade à medida que diminua o desempenho da economia.

Por certo que, ao desmanchar as malas de sua viagem à reunião do G20, Lula trouxe na bagagem um dilema: tanto a sua popularidade no País, quanto a sua notoriedade, alcançada durante aquele Encontro, estarão, agora, na dependência de saber se o barco construído por seu modelo econômico impermeável agüentará firme as tempestades e se saberá congregar os papeis de estadista, político e ocupante do mais elevado cargo da República. Afinal, quem viver verá.

Nossos mandatários estão hoje envoltos em intricados jogos de ter e ser, permeados por interesses múltiplos, carregando paixões, sonhos e esperanças por dias melhores, com seus erros e acertos, seja por ambições pessoais ou por desejos de servir. O fato é que devemos distinguir aquilo que gostaríamos que eles fizessem, para satisfazer nossos desejos, daquilo que realmente deva ser feito. Talvez o segredo esteja não em aumentar a visão de suas possibilidades e potencialidades, mas, sim, diminuirmos a lente através da qual os observamos, enquanto líderes mundiais. A solução não está neles, mas em nós, pois eles serão, no futuro, a medida de nossa própria evolução em prol da construção de uma aldeia global unitiva ou fracionada segundo nosso grau evolutivo de consciência.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mahatma, o Líder

"O mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para a qual nos movemos.” (Oliver W. Holmes)

De um lado, uma nação imperialista, o seu poder econômico, a sua avançada tecnologia, apoiada por um dos mais bem preparados exércitos da época, de outro, apenas um franzino homem, que tinha um caminhar arqueado, não possuía pertences pessoais e cobria o seu frágil corpo apenas com lençóis brancos, que ele mesmo confeccionava. Sua melhor arma era ele mesmo. Suas ações eram coerentes. Convencia por se converter, ele mesmo, em exemplo do que pregava, utilizando os princípios da não-violência, do perdão e da fidelidade à verdade. Porém conservando uma fé inabalável no rumo que traçara: ver o seu País liberto de seus invasores. Esse pequeno David ganhou o confronto com o gigante Golias sem disparar um tiro sequer, mudando o rumo da trajetória humana neste Planeta.

Assim viveu Mohandas Karamchand Gandhi, um dos mais completos líderes egoentes que este mundo já conheceu. Foi místico e político, político e místico, harmonizando, em si, matéria e espírito, espírito e matéria. Foi não só libertador da Índia, mas também um dos maiores líderes espirituais de seu tempo. Graças à sua trajetória a humanidade passou por uma nova evolução cultural. Gandhi é a prova inconteste de que o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma utopia realizável. Suas conquistas se convertem em fonte de inspiração para resolvermos os principais desafios de ordem ético-espiritual e política, que assolam nossa aldeia global.

À Política, Gandhi emprestou sua mística, baseada no princípio da existência cósmica, de que todas as coisas, incluindo o homem, como criatura, podem viver em harmonia e equilíbrio. À mística, Gandhi emprestou a sua política, de que, por mais que queira purificar-se e passar a viver uma vida consagrada à essência divina, o ser humano não o conseguirá completamente se não souber viver em relação, isso é: chegar a Deus através de seus semelhantes.

Esse notável homem nasceu em 1869, quando a Grã-Bretanha exercia o seu poder imperialista na Índia. De personalidade explosiva, buscou, de início, igualar-se a seus dominadores, vestindo-se como um britânico, estudando como um, agindo como um, buscando privilégios em lugares onde só havia subserviência imposta e perda total das garantias individuais. Mas logo se apercebeu que o rumo que dera a sua vida não se coadunava com suas origens. E que, para chegar a mandar para casa seus oponentes e, assim, libertar cerca de 450 milhões de seres humanos da opressão, deveria primeiro libertar a si mesmo, renunciando aos valores humanos transitórios e apoiando-se tão somente em sua mística. Com sua forma de viver e de pensar conseguiu levar a Inglaterra a perder cerca de três quartos de seu império.

Com efeito, Gandhi poderia ter amealhado uma fortuna, ter comprado palácios, ter tido o poder de comandar a nação que ajudara a constituir, marcada por diferenças culturais, religiosas e raciais. Em lugar disso viveu na renúncia, contando somente com o básico para sua subsistência. Não acumulou títulos, nem distinção acadêmica, nem quaisquer notoriedades científicas, mas foi, por isso mesmo, reverenciado e admirado por centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo. Nem mesmo a cabra que lhe propiciava as proteínas que seu corpo necessitava lhe pertencia, sendo ela recolhida por seu dono, logo após a sua morte.


Assassinado por um fanático, em 30 de janeiro de 1948, recebeu homenagens de todos os governos, com exceção do soviético, além dos principais líderes religiosos mundiais. Dentre os mandatários que reconheceram a grandeza de seu ser, o presidente Truman, o rei da Inglaterra, o presidente da França, o arcebispo de Canterbury, o papa Pio XII, o rabino-chefe de Londres, o Dalai Lama do Tibet, além de cerca de três mil outras personalidades estrangeiras. As Nações Unidas abaixaram a sua bandeira a meio pau e seu Conselho de Segurança interrompeu as suas deliberações, para render suas homenagens a Gandhi, oportunidade em inúmeros delegados, entre eles o britânico Noel-Baker, enalteceram essa verdadeira expressão de humanidade.

Por certo as gerações mais novas devem ter pouca ou nenhuma referência sobre esse pequeno grande homem. De lá para cá, surgiram inúmeros políticos que se apresentaram como líderes mundiais, valendo-se de seus egos para afirmarem as suas condições de homens públicos, calcando suas ações na crença de que são capazes de realizar coisas a partir de suas inteligências, de suas astúcias, suas sapiências, suas eloqüências ao falar, suas habilidades diplomáticas, suas capacidades de acumular riquezas ou influenciar pessoas.

São capazes de enfrentar uma arena política valendo-se de suas forças realizadoras, mas estando no jogo negociado de concessões e favores, alianças e interesses de alter egos envolvidos. Isso não se aplica a Gandhi, pois ele permaneceu na arena política conhecendo as características de seus adversários, assegurando livre transito entre eles, mas nunca se deixando corromper por benesses que certamente lhe seriam acenados, caso viesse a sucumbir a seu credo e a sua determinação de alcançar a sua meta máxima.

O grande Mahatma, designação que recebeu de seus conterrâneos e significa grande alma, era advogado formado pela Universidade de Londres, hábil orador, tendo participado, com sua dialética, de debates sobre temas nacionais e internacionais, em palácios, cortes da Europa, assim como em instituições públicas e privadas sempre com a intenção de combater o imperialismo e enfrentar seus antagonistas somente com a força do argumento e a habilidades de sua alma.

Mas, para isso, antes, ele conheceu a vida interior, o mundo de Deus, descobrindo o significado do verbo, fazendo a síntese entre a espiritualidade e materialidade, alcançando a visão cósmica ou o seu Eu divino, para, enfim, fazer a sua vida interior expandir até o coração dos homens, tendo, como meio, uma ética incorruptível e uma obediência aos valores transcendentes para reconhecer e evidenciar a igualdade e a liberdade entre os homens e a conclamá-los a tratar seus semelhantes com um verdadeiro espírito de fraternidade.

Sob essa trilogia há que se perguntar qual a relação entre minha vida ou a sua vida e a passagem de Gandhi por este Planeta? O que regula o comportamento humano é uma condição intangível, onde todos são levados a travar uma luta interior entre o que somos e o que gostaríamos de ser. Há uma frase, da qual não consigo identificar a autoria, que diz: “Em 10 de abril de 1970, Paul Mac Cartney anuncia que não pretende mais tocar com seus companheiros. É o fim dos Beatles. O paradoxo é uma característica do ser humano. O que aconteceu com os Beatles acontece com cada um de nós. Infelizmente, uma parte de nosso eu quebra o estado de felicidade, rompe com o equilíbrio, e por não suportar a coisa boa, traz para cada um de nós uma cota de infelicidade, como se essa infelicidade viesse a restaurar a culpa e reparar o dano. É por isso que os laços se partem, os afetos se desfazem e o sonho acaba”.

Contraditório em si, o homem também se motiva por alcançar valores transcendentes. O Grande Mahatma é uma fonte de inspiração para todos nós, pois ele toca diretamente o coração dos seres humanos por seus ensinamentos espirituais, baseado na condição de que a verdade não é introjetada no coração humano e sim nasce de dentro para fora. Há uma frase de Frederic Skinner, autor do livro “Ciência e Comportamento Humano” que diz: “ As principais disputas entre as nações, quer nas assembléias pacíficas, quer nos campos de batalha, estão inteiramente ligadas ao problema do controle e da liberdade humana”. Mohandas Karamchand Gandhi contribuiu ativamente para elucidar essas fronteiras.

Sobre isso escreveu Humberto Rohden, professor, escritor e autor do livro “Mahatma Gandhi”: “Quem não se sente plenamente livre deve evitar servir aos outros e deve assumir ares de dominador, porque onde falta a essência têm de prevalecer às aparências. Mas quem traz dentro de si o testemunho da sua liberdade real, esse pode ser servidor de todos, porque a sua firme liberdade não necessita de ser escorada em pseudoliberdades. Quem é sábio pode serenamente admitir aparências de tolo; mas todo o tolo tem de evitar solicitamente essas aparências e assumir ares de sábio, para que a sua pseudo-sapiência não sucumba ao impacto de sua insipiência. O mundo de hoje não compreendeu ainda a verdadeira grandeza de Gandhi, sem dúvida um dos mais lídimos discípulos que o Nazareno teve entre os homens, nesses quase dois milênios de era cristã. Mas o espírito do Mahatma está trabalhando as consciências humanas, qual divino fermento, levedando aos poucos a massa profana e preparando o caminho para a grande alvorada crística”.

Talvez o mundo não consiga reproduzir, em curto prazo, ninguém da estirpe de Gandhi, mas nossos atuais e futuros líderes podem estar conscientes de que, para promoverem algo novo, devem procurar agir de uma nova forma, onde suas ações se moldem nos princípios do altruísmo, nos valores coletivos e na liberdade interior e trabalhem para inspirar seres humanos sob seu comando a reverenciar a liberdade como bem maior do homem e anseio máximo a ser alcançado por toda a humanidade. Sobre isso o Grande Mahatma disse uma vez aos líderes de sua época: “nada se lucra, retribuindo-se o mal com o mal. Conservai limpos os vossos corações e descobrireis que todas as outras comunidades vos seguirão o exemplo”.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Líderes Mundiais

A humanidade carece, neste momento, de líderes capazes de guiá-la a novos e promissores ciclos de desenvolvimento. Ao longo de sua trajetória, seus líderes sempre assumiram um caráter visionário, estando enquadrados em duas estirpes: aqueles movidos por intenções egocêntricas e aqueles movidos por intenções egoentes. No primeiro caso, são aqueles líderes que buscaram criar um mundo à sua imagem e semelhança, acirrando diferenças e estabelecendo privilégios para grupos de sua predileção. No segundo, por aqueles que buscaram criar uma unidade harmônica a partir de um reconhecimento das diversidades existentes. Sempre agiram segundo princípios maiores do que eles mesmos.

Certamente esse autor não poderia subestimar o leitor, dando-lhe exemplos óbvios de líderes que ganharam notoriedade, tanto a partir de uma, como de outra intenções. Mas nem sempre a realidade se revela translúcida. Quantas vezes surgiram na história humana personalidades públicas que ostentavam discursos eloqüentes e inflamados, mas cujas ações não eram compatíveis ou coerentes com suas bandeiras. São os chamados engodos. A sabedoria popular está certa ao afirmar que “nem tudo o que reluz é ouro”. Parte da história das lideranças foi escrita por autocratas de direita e de esquerda, déspotas vitalícios, populistas, corruptos, fanáticos, belicistas e tantos outros foram alternando-se no poder sem a compatível contribuição para tornar esse mundo melhor aos seus habitantes. São, sem dúvidas, os mais ruidosos. Mas, neste século, as inovações tecnológicas propiciaram o advento de uma aldeia global e a pergunta que se impõem é essa: ainda há lugar para líderes egocêntricos?

Sim, nossa aldeia global carece de bons líderes para conduzir-nos a um mundo melhor e mais fraterno. Utopia? Pois essa premissa está escrita em nossa carta magna, chamada DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Ela está completando 61 anos e todos sabemos que não conseguimos ir além de seu artigo 1º, hoje ainda uma utopia: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

Esta carta foi lançada no pós-guerra, quando sopravam os ares da democracia e das liberdades individuais, mas a história mostrou, nesses 60 anos, que elas foram estabelecendo mais direitos para uns, do que para outros. E agora, com o advento do processo de globalização, novos ares começam a soprar e se abre novamente a condição de se rever a pauta de assuntos necessários à concretização dos ideais firmados pelos povos no pós-guerra. A chamada distensão exige de nossos líderes uma pauta que inclui, entre outros assuntos, políticas mundiais inclusivas, economias voltadas a equacionar problemas de marginalidade social e combate à fome, políticas ambientais que regulem o consumo e resguardem recursos naturais não renováveis, políticas sociais democratizantes, que reconheçam as liberdades de expressão e religiosa, políticas culturais que reconheçam usos e costumes, além de políticas públicas que instaurem, nos aparelhos de estado, condições para prover, de forma ampla, a educação e a saúde pública eficiente, assim como garantias de direitos individuais e coletivos.

Nos últimos 60 anos, nossa aldeia cresceu e se multiplicou acentuadamente. Segundo a Wikipédia, a enciclopédia livre, nossa aldeia global já possui 6,6 bilhões de pessoas e continua a crescer em ritmo acelerado, estando previsto, para 2012, uma população de sete bilhões de pessoas. Mas a sua trajetória é mercada por diferenças e contrastes acentuados que transforma o primeiro artigo de nossa carta magna em desafio a ser vencido.

Nossa população se distribui de forma desigual sobre os continentes. A Ásia abriga mais de 60% da população mundial, com quase quatro bilhões de pessoas. China e Índia, sozinhas, abrigam, respectivamente, 21% e 17% desse contingente. Essa classificação é seguida pela África, com 840 milhões de pessoas, 12,7% da população mundial. A Europa abriga 710 milhões de pessoas, isso é 10,8% da população mundial. A América do Norte abriga 514 milhões (8%), a América do Sul 371 milhões (5,6%) e a Oceania em torno de 60 milhões (0,9%). Isso quer dizer que, enquanto em algumas regiões os homens se “acotovelam” por falta de espaço, notadamente na Ásia, aonde a densidade demográfica chega a 80 hab/km², a Antártica revela-se praticamente despovoada.

No plano econômico, uma questão continua recorrente, entre os economistas: a desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos e a paralela existência de taxas menores de crescimento econômico de países pobres em relação aos países ricos. Até recentemente, os estudos, de caráter econômico, utilizavam a renda per capita como fator de aferição da distribuição de renda. Mais recentemente, as metodologias passaram a destacar o bem-estar dos cidadãos como principal parâmetro de medição de processos de reprodução do capital.

O economista Paulo Roberto de Almeida, em seu estudo “Distribuição mundial de renda: as evidências desmentem as teses sobre concentração e divergência econômica”, publicado pela Revista Brasileira de Comércio Exterior, edição abril-junho 2007, cita o economista catalão Xavier Sala-i-Martim, da Columbia University, revelando, a partir de indicadores deste início de século, a diminuição da pobreza em nível mundial. Os dados da distribuição mundial da renda, após a adesão à divisão mundial do trabalho, pelos países considerados socialistas, até a década de 70, sinalizam uma reversão na tendência das desigualdades distributivas da renda, entre países ricos e pobres, embora não em todos os lugares e não com a mesma rapidez. Mas essa tendência reversiva poderá diluir-se se não houver maior desenvolvimento dos países localizados na África, além da necessidade de se pensar na aceleração do ritmo de evolução estrutural e na distribuição interna da renda aos países, abrangendo um maior número de setores beneficiados, associados ao aumento do bem-estar dos indivíduos envolvidos.

Para que se alcance o sucesso na quarta revolução industrial (a da nano e da biotecnologia) o economista Paulo Roberto de Almeida lembra a importância de nossos líderes mundiais: “como sempre ocorre na história humana, decisões erradas, adotadas por homens que estão em posição de decidir – as chamadas elites – podem, e em vários casos efetivamente já o fizeram, colocar tudo a perder, escolhendo caminhos errados no processo de desenvolvimento”.

E certamente esses líderes terão pela frente a tarefa de gerar políticas para satisfazer a duas das principais reivindicações dos trabalhadores desta aldeia global: bons empregos e ótimos salários, uma tarefa nada fácil de ser realizada. Para o Sociólogo e Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, José Pastore, a Empresa moderna conseguirá atender em parte a reivindicação geral dos trabalhadores, de maior acesso ao consumo, uma vez que os produtos melhoraram de qualidade e baixaram de preço.

Mas o barateamento dos produtos industrializados e a qualidade maior deles foram alcançados com a utilização de menos mão-de-obra e mais especializada, pois agora se exige do trabalhador a multifuncionalidade, isso é, várias habilidades para o exercício de suas funções, conforme assegura aquele economista. Ou seja, os novos métodos de produção usam pouco trabalho, geram desemprego, subemprego, jornadas de tempo parcial, trabalho temporário e outras formas atípicas. Segundo Pastore, o desemprego no mundo não é determinado apenas pelos métodos que poupam trabalho. Ele é causado também pela escassez de capitais para investimentos e pela carência de mão-de-obra qualificada para trabalhar nas novas condições de tecnologia e de administração.

Segundo relatório, divulgado pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, em setembro de 2007, os níveis de produtividade do trabalho aumentaram durante a última década, embora haja um contraste entre países industrializados e as demais regiões. No entanto, essa distância tem diminuído, principalmente em relação às regiões onde se registraram avanços importantes, como a Ásia Meridional, a Ásia Oriental, a Europa Central e Sudoriental. O mesmo estudo apontou o desperdício do potencial produtivo dos trabalhadores como sendo uma das principais causas da pobreza mundial.

O mesmo relatório, “Indicadores Chave de Mercado de Trabalho”, 5ª edição, conhecido como KILM, segundo sigla inglesa, revela que os Estados Unidos leva considerável vantagem sobre o resto do mundo em relação à produtividade do trabalho por pessoa empregada, durante o ano de 2006, apesar do rápido aumento registrado pela Ásia Oriental, onde os trabalhadores produzem agora o dobro do que o faziam há 10 anos. O aumento da produtividade se deve principalmente ao resultado de uma melhor combinação entre capital, trabalho e tecnologia, isso é através da formação e da capacitação de recursos humanos, da utilização de equipamentos e de tecnologia adequados o que acarreta, em contrapartida, a subutilização do potencial humano no resto do mundo.

Para o Diretor Geral da OIT, Juan Somavia, há preocupação em relação à grande brecha existente entre produtividade e riqueza: “o aumento do nível de produtividade dos trabalhadores de países mais pobres é essencial para a redução dos enormes déficits de trabalho decente no mundo”. Segundo a OIT “o trabalho decente é produtivo e permite uma inserção justa, implicando em segurança no trabalho e proteção social para as famílias, assim como a possibilidade de as pessoas se expressarem, se organizarem e participarem das decisões que afetam suas vidas”.

“Centenas de milhões de mulheres e homens trabalham duro por longas jornadas, porém sem as condições que os permitam e suas famílias superar a pobreza e o risco de serem cada vez mais pobres. A Agenda Internacional de Desenvolvimento deve considerar como uma prioridade o aumento do potencial produtivo para liberar capacidades que hoje são subutilizadas”, disse Somavia, por ocasião da liberação daquele relatório.

Segundo o informe do KILM, um bilhão e meio de pessoas estão “potencialmente subutilizadas, o que equivale à terça parte da população em idade de trabalhar. Esse novo cálculo sobre a subutilização da mão de obra inclui 195,7 milhões de trabalhadores desempregados e quase um bilhão e trezentos milhões de trabalhadores pobres que vivem com suas famílias com menos de dois dólares diários por pessoa.

“Os desempregados querem trabalhar, porém não conseguem oportunidades. Os trabalhadores pobres, por outro lado, estão empregados, porém não ganham o suficiente para superar a pobreza”. O mesmo relatório estima que a metade de todas as mulheres e homens com emprego está vulnerável à pobreza. “São pessoas que atuam na economia informal, com maior risco de carências de proteção, sem seguro social ou sem voz no trabalho. Mais de 70% dos trabalhadores na Áfria Subsahariana e Ásia Meridional estão em situação de emprego vulnerável”.

O mesmo relatório prossegue: “na subutilização da mão de obra no mundo há uma grande quantidade de pessoas, aproximadamente a terça parte da população em idade apta para trabalhar, que não participa dos mercados de trabalho. Durante os últimos 10 anos, a taxa de inatividade tem sido muito mais alta para as mulheres (cinco de cada 10), do que para os homens (2 para cada 10). Isso significa que há um importante potencial da força de trabalho feminina que permanece inativa. Tudo isso, segundo o KILM, explica as relações que existem entre pobreza, déficit de trabalho decente e subutilização de mão de obra.

E um desses resultados é, sem dúvida, um verdadeiro atentado contra a dignidade humana: a fome e a subnutrição, sentença que condena à morte expressivos contingentes da população mundial, muito embora, durante os últimos anos, a oferta de alimentos tenha crescido em cerca de 18%. A carência prolongada de alimentos provoca o debilitamento do organismo humano, a apatia, a perda do sentido social, a indiferença e, por vezes, a hostilidade. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza o direito inalienável de todo o ser humano ser libertado da fome e da subnutrição, a fim de se desenvolver plenamente e de conservar as suas faculdades físicas e mentais.

No outro extremo, estão aqueles trabalhadores que conseguem aferir maiores salários e oportunidades crescentes e que estão suscetíveis aos apelos do consumo, como forma de experimentar melhor qualidade de vida. O consumo exacerbado constitui um dos elementos principais para o agravamento dos problemas ambientais, já que estimula a utilização desmedida dos recursos naturais não renováveis. Por isso mesmo, por mais paradoxal que pareça, já começam a existir movimentos de maior consciência quanto aos reflexos de se ganhar bem e ser trabalhador melhor aquinhoado.

Hélio Mattar, que dirige, no Brasil, o Instituto Akatu, ONG que dissemina o conceito de consumo consciente, afirma que, à medida que ficam mais claras as relações entre o ato de consumir e a sustentabilidade do planeta, as pessoas tendem a rever os seus conceitos. “Mas é um processo lento, de educação”, afirma o dirigente, que continua: “e não faltam argumentos, pois "a capacidade de reposição do planeta é simplesmente insuficiente para satisfazer, de uma forma sustentável, as ambições da China, Índia, Japão, Europa e Estados Unidos, bem como as aspirações do restante do mundo", afirma ele. O veredicto, dado pelo relatório "O Estado do Mundo" (The State of the World) da ONG Wordwatch Institute, serve para ilustrar as implicações do consumo excessivo para o futuro da humanidade - se sistemas menos impactantes ao ambiente e às pessoas não se difundirem nos próximos anos”.

O grupo ambientalista WWF também lança o seu relatório: “Os recursos naturais da Terra estão se exaurindo tão rapidamente que "dois planetas" seriam necessários para manter o atual estilo de vida da humanidade por mais uma geração. A Entidade, com sede na Suíça e também é conhecida como Fundo Mundial para a Natureza, disse na edição mais recente de seu Relatório sobre o Planeta Vivo, que mais de três quartos da população do mundo vive em países cujos níveis de consumo superam em velocidade a renovação do meio ambiente. No documento, o grupo concluiu que o consumo exagerado do "capital natural" coloca em perigo a futura prosperidade do mundo, gerando impactos evidentes na economia, tais como a elevação do preço dos alimentos, da água e da energia.

Com efeito, as questões aqui abordadas constituem prioridade na pauta de discussões das principais lideranças mundiais, por discorrerem sobre os principais desafios que toda humanidade enfrenta hoje, sendo catalisadas pela economia e pelos avanços tecnológicos. Mas também temos desafios de ordem ético-espiritual e política.

No tocante às questões ético-espirituais, registre-se a referência entre atitudes egocêntricas, a crise ético-moral existente e a aplicação do que preconiza o artigo 1º de nossa carta magna. Embora divergentes e até antagônicas, as religiões, hoje, contemplam uma ética e uma moral que levam às pessoas a viverem sob a perspectiva do espírito de fraternidade e de consciência na valorização dos valores que transcendem à própria existência. A diversidade de crenças e de valores abrange desde o ateísmo, o agnosticismo, o deísmo, o humanismo-Laico, o Unitário-Universalismo, até mesmo as religiões monoteístas, que são dominantes no mundo: o judaísmo, o cristianismo e o Islão e que, juntas, agregam mais da metade dos seres humanos e quase a totalidade do mundo ocidental. A diversidade religiosa representa as diferentes percepções de vida e de suas manifestações existenciais.

Segundo o número de adeptos, com base em informações da Wikipédia, pode-se dizer que o Cristianismo é a religião que mais se destaca (2100 milhões), seguida do Islão (1300 milhões); ateus/agnósticos/sem religião (1100 milhões); Hinduísmo (900 milhões); Religiões tradicionais chinesas (394 milhões); Budismo (376 milhões); Religiões tradicionais africanas (100 milhões); Sikhismo (23 milhões); Judaísmo (18 milhões); Espiritismo (15 milhões); Fé Baha'i (7 milhões) e Jainismo (4,2 milhões).

Todas as religiões, crenças, credos são importantes à história da humanidade porque elas contêm a semente das Verdades Eternas, desenvolvem profundos sentimentos de amor e de compaixão e mostram um afã incansável de solucionar os males do mundo. Este autor não acredita que possa existir uma religião universal, que substitua, prevaleça ou sintetize todas as demais. Mas, sim, uma mística capaz de propiciar sentimentos de amor e de compaixão capazes de nos fazer aproximar dos princípios propugnados pelo artigo 1º da nossa carta magna.

E são elas inspiradores para a grande transformação política desejada, inspirando nossos líderes a buscarem instaurar os princípios de uma economia mais solidária e da paralela inclusão social, para todos os cidadãos do mundo, mantidas as suas dignidades fundamentais. Para isso eles precisarão estar em consonância com as sete leis universais que regem todo o cosmo: “Amor, Respeito, Liberdade de Pensamento e Ação, Generosidade, Perdão, Respeito à Vida e Livre-Arbítrio como pilares básicos necessários à materializar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, antes que ela complete seus 100 anos de existência.


sábado, 4 de abril de 2009

MÉDICOS DE FAMÍLIA

Você já imaginou se todo o proprietário de automóvel deste País resolvesse comparecer às oficinas mecânicas certificadas somente em caso de pane? Certamente os danos causados aos veículos, pelo acúmulo de problemas postergados, seriam de vulto, exigindo, de seus proprietários, dispendiosos recursos financeiros para efetuar seus tardios reparos. Os pátios das oficinas estariam lotados, haveria excesso de trabalho aos profissionais mecânicos disponíveis, incapazes de oferecer atendimento adequado a seus clientes procrastinadores.

Felizmente essa não é a atual realidade brasileira. No entanto, situação análoga, porém com resultados mais impactantes, acontece em relação ao sistema de saúde público deste País. Os hospitais estão lotados, há carência de leitos e de modernos equipamentos. Espera-se muito para uma consulta médica. Não há profissionais em número compatível para atender às demandas existentes. Entre o médico e o paciente há uma figura interveniente: o SUS ou os Planos de Saúde. A medicina é de emergência, especializada e voltada a tratar doenças manifestadas. Pode-se dizer que, em matéria de saúde pública, nenhuma das partes envolvidas está satisfeita.

Os gestores de hospitais evidenciam a ausência de recursos para investimentos. Os médicos apontam a precariedade das condições de trabalho e os pacientes recorrem às informações disponíveis na internet e à automedicação como formas erráticas de combate aos sintomas. No meio disso tudo nota-se a ausência de um personagem emblemático que foi perdendo espaço na vida nacional: o médico de família.

Os mais idosos ainda se lembram da tarefa, assumida por esses profissionais, de visitar regularmente as casas, examinar cada um dos membros da família, buscando prevenir doenças e promovendo a saúde de todos aqueles sob seus cuidados profissionais.

Os médicos conheciam não só as condições corpóreas de seus pacientes, mas também todo o seu processo de socialização, assim como fatores ambientais que marcavam a sua vida em família. Os diagnósticos não se baseavam estritamente em “como” e “porque” se manifestavam as doenças, mas também levavam em conta o local, data, fatores familiares, demográficos, sociais, psicológicos, epidemiológicos decorrentes, resultado de um convívio mais assíduo entre médico e paciente.

As relações eram norteadas pela amizade e pelo afeto, através de um convívio permanente, onde a visita médica à família estava contextualizada e inserida no ambiente onde a doença acontecia. Assim, não era preciso muito esforço para fazer o diagnostico: bastava olhar o paciente e referenciá-lo segundo a sua história pessoal.

A partir da década de 70 os médicos de família foram desaparecendo, gradativamente, mas suas práticas permitiram que a Medicina Preventiva evoluísse para chegar a abarcar o conceito de qualidade de vida saudável. Hoje ela está integrada por uma equipe multiprofissional especializada, contando com médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, professores de educação física entre outros. Esses profissionais atuam de forma integrada, trocando informações e proporcionando ao paciente um atendimento mais abrangente, oportuno e efetivo. Mas seus resultados, neste início de século, são ainda considerados acanhados ou incipientes.

O atual atendimento à família é feito em consultórios, a não ser que o paciente se encontre acamado, onde o profissional mantém a preocupação de estabelecer vínculos com seus pacientes antes mesmo que eles venham a adoecer, sendo ele o primeiro profissional a ser consultado pelo paciente.

Mais recentemente, esse profissional passou a ser chamado de médico de família e de comunidade e seu principal objetivo é atender pessoas de todas as idades, de ambos os gêneros, de forma continuada e integral, sendo ele amparado por uma equipe multiprofissional.

Pesquisas realizadas em nível mundial evidenciam que esse profissional é resolutivo em cerca de 80% a 90% das questões ligadas à assistência à saúde. Em nível mundial já há o consenso de que esse profissional resgata a antiga relação médico-paciente, que está sendo fragmentada pela especialização da medicina.

Inúmeras tentativas, desde a década de 70, vêm sendo tomadas no Brasil, no sentido de resgatar a Saúde da Família, muitas delas engendradas pelo setor público (SUS). Cita-se o caso da Caixa de Assistência aos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) como sendo a primeira empresa privada do País a implantar este modelo. Os resultados alcançados por essa experiência são satisfatórios, tanto na relação clínica, quanto na redução de custos e eficiência operacional do sistema. Mas há muito a ser feito.

Faltam médicos para atuarem em áreas carentes, assim como em cidades do interior. Pesquisa realizada pelo IOC - Instituto Oswaldo Cruz revela que apenas 5% dos estudantes de medicina pretendem atuar em cidades do interior, justamente onde a Saúde da Família resolve 70% dos problemas de saúde da população. Isso é: fica cada vez mais difícil especializar enfermeiros e médicos em saúde da família, com perfil profissional de competência técnico-humanística, capazes de atuar em consonância com os princípios e diretrizes da Estratégia de Saúde da Família

Na pesquisa realizada pelo IOC foram entrevistados 1004 estudantes do internato de 13 cursos de medicina em Goiás, no Tocantins, em Alagoas, no Paraná, no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. De acordo com o estudo, 63% dos alunos pretendem atuar como médico especialista depois de formados. Apenas 12% dos estudantes entrevistados consideram que a instituição de ensino em que estuda adota um modelo baseado na integralidade da atenção à saúde.

Quem fizer uma visita a sites de empresas de recrutamento e seleção ou até mesmo sites de sindicatos de classe, poderá comprovar os resultados revelados através do IOC de que a oferta de empregos, para médicos ligados ao PSF, vem aumentando em detrimento do número de candidatos.

Pode-se tomar o exemplo de Santa Catarina, um dos estados precursores da Saúde da Família, como Caçador, Rio do Sul, Barra do Guarita, Salto Veloso, Pomerode, cidades com cerca de três mil habitantes, assim como Tubarão, Blumenau e Joinville, centros polarizadores, que oferecem oportunidades que incluem salários de R$8.000,00 a R$11.000,00 por jornadas de 40 horas semanais. E muitos deles não exigindo experiência em Saúde da Família.

Esses salários talvez não sejam atraentes, mas certamente eles estão em padrão bem mais elevado do que percebe a maioria dos brasileiros assalariados.
Entre as atribuições inerentes aos postos abertos destacam-se “realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; realizar consultas clínicas e procedimentos na USF e quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc), além de realizar atividades de demanda espontânea e programada”.

Mais do que causa, esse fenômeno revela heranças de uma sociedade que estimula a cultura de especialidades, que vai, aos poucos, tomando conta do imaginário dos pacientes. Certa ou errada essa cultura da especialização ainda não conseguiu dar conta da enorme demanda retraída por serviços públicos de saúde.

Colocar, no fórum de discussão, a importância da medicina da família não constitui um retrocesso, às atuais tendências, nem uma tentativa de referendar, de forma oportunista, o Programa Saúde de Família, instaurado pelo Governo Federal. Nem mesmo iniciativas dessa natureza constituem a solução para todos os problemas de saúde do País.

Mas traz à tona a assertiva de que, tão importante quanto conhecer a doença, é conhecer quem está doente. É preciso dar ao antigo médico de família uma nova roupagem, que incorpore modernos conhecimentos técnicos e científicos, mas também despertar-lhe a consciência humanística. Não apenas formular diagnósticos e indicar tratamentos, mas, sim, dirimir dúvidas e temores dos pacientes, assistindo-lhes e ajudando-os a superar problemas, à medida que a assistência médica se faça necessário.

Amplamente difundida no mundo inteiro, no Brasil, a medicina de família e de comunidade ainda luta por sua consolidação, podendo ser uma solução para os entraves que impedem o País possuir uma saúde pública eficiente, preventiva e voltada à qualidade de vida daqueles que hoje lotam hospitais e consultórios em busca de melhores dias.