terça-feira, 25 de agosto de 2009

REFLEXÕES SOBRE A VIDA

Um discípulo procurou o seu Mestre e lhe perguntou:

- Mestre, o que é a vida?

O Mestre ficou em silêncio. Mas o discípulo não se contentou e novamente lhe perguntou:

- Mestre, o que é a vida?

E novamente o Mestre permaneceu em silêncio.

Inconformado, o discípulo insistiu uma vez mais:

- Mestre, o que é a vida?

E novamente o Mestre nada lhe disse. Em razão disso, o discípulo, mesmo inconformado, permaneceu calado, enquanto realizavam trabalhos manuais.

Mais tarde, o Mestre rompeu o silêncio e disse ao inconformado discípulo.

- Vamos, agora, parar de trabalhar e vamos ao cinema.

O discípulo perguntou uma vez mais:

Ao cinema, Mestre?

Ao que o Mestre pegou as suas coisas foi saindo de casa. O discípulo o seguiu.

Compraram bilhetes, pegaram pipocas e entraram na sala de projeção para assistir ao filme.

Quando já haviam assistido dois terços do filme, o Mestre se levantou e disse:

- Vamos embora.

O discípulo, também inconformado, levantou-se contrariado e o seguiu. Já na rua o discípulo disse:

Mestre! Eu nem esperava vir ao cinema. O Senhor me trouxe. Já que eu fui compulsoriamente levado a assistir a este filme, passei a me interessar pelo enredo e, quando eu já estava gostando de assisti-lo, o Senhor se levantou e viemos embora. Por que o Senhor fez isso comigo?

O Mestre lhe respondeu:

- Ué! Você não queria saber o que é a vida? A vida é isso. Quando começamos a gostar das coisas, elas mudam. Os ciclos acabam. As coisas se transformam. Então, meu filho, a vida é mudança. Quando achamos que estamos satisfeitos com alguma coisa, a vida nos coloca à prova e nos tira o que nos causa estabilidade e prazer. A vida é um eterno devenir.

Com efeito. Somos surfistas, com a missão de permanecermos fixos à nossa prancha, enquanto o mar revolto nos carrega para cá e prá lá! Só temos que aprender a escolher, diante de nossas provas: lamentarmos o que nos acontece ou simplesmente buscarmos nos liberar de nossas culpas e mantermos a serenidade enquanto caminhamos através de nossas experiências. Muitas vezes, estamos tão preocupados em querermos saber o que é a vida que acabamos por nos esquecermos de vivê-la, e encontrarmos nossa felicidade, apesar de todas as armadilhas que a própria vida nos surpreende. Muitas vezes renunciar às contingências que ela nos coloca no caminho constitui o primeiro ato para vivermos as mudanças compulsórias. Tal qual surfista, nos deixamos levar pelas ondas, mas nossa preocupação maior deve ser manter o controle, apesar de seguirmos correntes que mudam e mudam de direção. Quando começamos a gostar do filme, a vida nos chama para levantar e sair para uma nova jornada, onde a única constância é saber que nada é verdadeiramente constante.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Paz interior

Chega um momento, na vida de um ser humano, que ele deixa de buscar fora de si e passa a se interessar em fazer uma verdadeira viagem a seu interior, no sentido de encontrar respostas às suas indagações existenciais. O seu lado transcendente lhe chama. Não segue mais pela estrada da ambição, pois ela leva a caminhos voláteis. Nem o da ira, pois essa somente destrói. Nem o do medo, pois esse estanca a sua caminhada. Nem o do prazer, pois esse é efêmero.

Nem mesmo o do apego, pois esse não lhe leva à grandeza de sua alma. O poder lhe subtrai a solidariedade e a participação. A luxúria leva à sensação momentânea. A gula à insaciedade. A vaidade conduz ao egocentrismo.

Nossas limitações indicam a desarmonia interior. Somos seres imperfeitos, em busca da tão almejada perfeição. Nascemos assim, imperfeitos, como única forma de aprendermos com nossos erros, para sabermos separar conquistas transitórias de conquistas permanentes.

Há seres que conseguiram superar todas essas limitações e hoje estão livres de quaisquer vaidades, apegos ou situações criadas pelo ego. Dedicam-se a ajudar àqueles que precisam e estão envoltos em visões nebulosas dos caminhos a seguir. São os Mestres Ascencionados.

Por seu estado evolutivo, os Mestres não gostam de notoriedade e, por isso mesmo, preferem permanecer no anonimato. Nesse sentido, há um amado e consagrado Mestre que vive lembrando: “Se encontrares a paz, no que sentes, estarás eternamente grato ao seu coração”. Ele lembra que estar em paz é estar com sua consciência em paz, sem culpas, sem conflitos, sem julgamentos, mas em perfeita harmonia em relação atodo o seu ser.

A melhor forma de sabermos se estamos seguindo o rumo certo é sabermos se o que estamos fazendo nos deixa em paz e em perfeita harmonia e sintonia com aqueles que interagem conosco em nosso quotidiano. Com a paz compreendemos nossas limitações e também vislumbramos os caminhos a seguir. Ouvimos a voz de nosso coração e nos alinhamos ao verdadeiro eu que quase sempre permanece calado, enquanto nos ocupamos em alimentar um ego ávido de paixões e prazeres caracterizadamente voláteis.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Espelho

Diz a lenda que um jovem rei formulou o propósito de conquistar todas as terras à sua volta e tornar o seu reinado único, senhor de todas as plagas, de todas as águas, de todo o ar que sopra prá lá e prá cá. Sonhou em ser um soberano entre todos os homens. E assim se dispôs a fazer, guerreando, conquistando, impondo-se, afastando tudo aquilo que lhe cruzava o caminho.

Anos depois, o Rei conseguiu realizar o seu intento. Não havia mais nada a ser conquistado. E, assim, finalmente se dispôs a desfrutar de suas conquistas. Mas o tempo foi passando ele acabou por entediar-se com a rotina e a sucessão de dias que se repetiam mais e mais. Já não sabia mais como lidar com aquela realidade, que lhe devorava o entusiasmo e a alegria de viver, embora fosse um soberano respeitado, admirado e cortejado.

Então resolveu instituir três prêmios para aquele pintor que conseguisse pintar o quadro mais bonito e significativo. O primeiro deles, é claro, seria a mão de sua filha, a princesa mais linda e mais cobiçada do Reino. O segundo era uma fortuna em jóias que trouxera de suas conquistas. E o terceiro era a doação de parte de suas terras àquele que viesse a lhe mostrar como devolver à sua alma a alegria de viver e a felicidade.

Vieram pintores dos mais variados lugares de seu extenso reino. E o Rei foi selecionando as obras e candidatos, até que sobraram apenas dois pintores, um representando o lado ocidental e o outro o lado oriental de seu reinado.

Para tanto, recomendou que cada um pintasse uma nova tela, da qual ele, pessoalmente, deveria acompanhar passo a passo a sua materialização. Colocou-os em um grande salão, mas cuidou de separar cada pintor, sua tela e suas tintas, em um recinto, dividindo o grande salão ao meio por uma cortina. Ambos não poderiam enxergar o que estava sendo produzido pelo seu concorrente. Mas o Rei e seus súdidos poderiam observá-los a trabalhar através de uma visão frontal.

O pintor que representava o lado ocidental de seu reino começou a trabalhar, colocando na tela inúmeras cores, iniciando um desenho a partir de uma apurada técnica. Enquanto isso, o artista, que representava a banda oriental de seu Reino, levara apenas um enorme espelho, acomodado entre cavaletes. O Rei não entendeu nada, mas deixou os pintores continuarem o seu trabalho. A noite já ia avançando e o pintor ocidental delineava um quadro muito lindo, com cores quentes que encantavam à medida que produzia cada pincelada.

Enquanto isso, o pintor oriental apenas pegara uma flanela e se colocara a polir o espelho. O Rei continuou a não entender nada, deu uma risadinha e determinou que os pintores fizessem seus trabalhos até o amanhecer do dia, quando seria escolhido o vencedor. E assim eles obedeceram e assim eles continuaram o seu trabalho. Enquanto o pintor ocidental projetava na tela a sua obra, o artista oriental apenas polia.

O Rei pensou consigo de como seria idiota e incompetente o pintor oriental, que, talvez, tivesse medo de pintar e de ser julgado por sua obra, assim como de quão inspirado estava o pintor ocidental.

A noite avançou e, já de madrugada, o Rei pediu aos candidatos que culminassem os últimos detalhes de suas “obras”, pois o amanhecer já se avizinhava. Um pouco antes do amanhecer, o Rei determinou que os artistas parassem seus trabalhos, pois o tempo já havia se esgotado. O pintor ocidental havia produzido um belo quadro. O pintor oriental se limitara a polir o espelho.

O Rei, em sua soberba, já se preparava para indicar o pintor ocidental como vencedor. Levantou-se e, para proclamar a sua escolha, deu uma última olhada no espelho e em tom de ironia determinou que os panos, que separavam os ambientes, fossem removidos e o salão fosse restaurado em toda a sua dimensão.

Diante dos primeiros raios de luz, o Rei começou o seu discurso. Mas nem bem havia iniciado o seu pronunciamento, verificou que um raio de luz penetrara naquele recinto, pela janela, e se projetara diretamente em cima do espelho, que, por sua vez, refletiu a luz da alvorada por sobre o quadro, iluminando-o e tornando suas cores esplendorosas, seus traços luminescentes e sua obra a verdadeira expressão daquele amanhecer.

E o Rei compreendeu que, na vida, conquistas externas só levam ao tédio. Mas conquistar a si mesmo, para impregnar-se de amor, paz e bem-aventurança lhe dá o sentido maior de sua existência. E que sua felicidade não vinha de o fato de ser cortejado, admirado e reverenciado, mas, sim, de fazer a sua alma brilhar como reflexo de toda a criação, bebendo, assim, direto da fonte que lhe dá a vida.

Compreendeu que, em lugar de ter olhado para fora, para buscar novos domínios e para subjugação das pessoas, deveria ter polido sua alma, para que seus súditos fossem inspirar-se à construção de uma sociedade humana mais justa, mais fraterna e absolutamente mais solidária.

O pintor oriental ganhou o prêmio, não por ter esfregado, à noite inteira, um pedaço de vidro, mas por ter conseguido, por seu exemplo, inspirar o mais temido e o mais bravo dos guerreiros, porém não imune a esconder a sua condição humana que luta, sofre, entendia-se, mas nem por isso mesmo deixa de estar subordinado à maior de todas as leis: para se chegar a transcender o nosso estado de consciência mundano temos que colocar a luz em nosso interior, iluminando as trevas e seguindo rumo à plenitude de nossa condição cósmica e universal. Chamem-nas de paraíso, nirvana ou quais outras designações que só a vida interior é capaz de identificar ou reconhecer, destituída de adjetivos, mas repleta de significados de um verbo muitas vezes esquecido, enquanto nos dispomos a conquistar o que não é verdadeiramente duradouro*.


* Texto produzido com base em contos que são disseminados de forma oral, pela tradição, cujo autor permanece desconhecido, até o momento de sua redação.