sábado, 16 de fevereiro de 2013

Bento XVI

Desde que anunciou a sua decisão de renunciar ao seu Pontificado, Bento XVI, ou melhor, Joseph Alois Ratzinger têm gerado, entre católicos, e também não católicos, especulações sobre o significado da decisão tomada. Afinal, ao longo da história papal não foram muitos os casos de mandatários que deixaram seus postos ainda em vida. "O cargo é vitalício, é óbvio", dizem os mais incrédulos.

Gostaria, no espaço a seguir, de traçar as minhas impressões sobre como vi o Sumo Pontífice em face da renúncia anunciada.

É simplório demais acreditar que o principal motivo dessa decisão esteja no fato de sua idade avançada, e também encontrar-se doente para exercer um cargo que exige vitalidade, agilidade para acompanhar a diversificada pauta de compromissos e  obrigações à frente de uma Igreja que possui o maior número de adeptos em todo o mundo.

A falta de um pronunciamento explicativo mais amplo deixou um conjunto de incertezas, entre os católicos. Nada mais aguça o ser humano do que não entender o que acontece no contexto onde habita.

Aos poucos e aqui e ali vão surgindo sinais que levam a uma explicação mais plausível e coerente sobre o contexto onde se insere a decisão de abandonar a continuidade das obras iniciadas por Pedro para simplesmente se recolher à clausura.

Tive a oportunidade de assistir a Santa Missa, Benção e Imposição das Cinzas, na Basílica de São Pedro, cerimônia que abriu o atual tempo de quaresma, em transmissão direta do Vaticano, o primeiro evento público após o anúncio e um dos últimos compromissos do Papa, antes do dia 28 do corrente mês, quando cumprirá o anunciado.

Assisti o Papa oficiar a Santa Missa com desenvoltura e lucidez, mas tive a impressão de que estava profundamente triste, amargurado, exibindo um semblante sem brilho, muito distante da altivez e envergadura que exibiu no dia 24 de abril de 2005, data de sua entronização.

Em suas palavras usou expressões como "não fazer as coisas simplesmente para agradar os homens", "existência de hipocrisia e disputa pelo poder", "saber reconhecer e perdoar as falhas humanas, existentes em sua Igreja".

Causou-me a impressão de estar carregando o peso de toda a sua impotência em fazer implantar importantes reformas para a formação de uma nova Instituição, por esbarrar em velhas atitudes humanas. A ponto de revelar seu firme propósito de, consumado o seu afastamento, retirar-se para uma vida voltada exclusivamente à Deus, à meditação, à única glória de estar vivendo em toda a sua plenitude os valores transcendentes.

"O mais importante é Deus. Somos pó e ao pó retornaremos. Nossas cinzas são o marco de nossa finitude", disse ele em suas sábias palavras. Algo que foi dito com muita propriedade e sabedoria e matéria para pensarmos reiteradas vezes em nossas reflexões e meditações sobre o significado de nossa existência.

Deixou-me também transparecer que sua escolha significava respeitar o arbítrio humano de traçar seus rumos, muitas vezes manifestados, por seus colegas de monásticos, através de discursos reformistas, mas, na prática, almejando meras reformas conservadoras. Atitudes que colocam em cheque sua autoridade papal e a relativação de seu poder como lider da Igreja. E a possível condição de sofrer mais por não ver homens cumprir com os votos que eles mesmos proferiram do que ver arranhada a sua imagem de lider espiritual de sua Igreja.

Isso me fez lembrar o que aconteceu, recentemente, com uma não menos importante Ordem Esotérica, a que estou ligado por laços afetivos, que também viu o seu principal mandatário renunciar a um cargo vitalício para seguir em sua decisão de se recolher à reflexão e à meditação, à vida monástica em clausura.

Para mim existe uma ligação estreita entre ambos os casos. E está ligada ao atual estágio que se encontra a humanidade. Muitas vezes estive, em minha vida profissional, à frente de agrupamentos humanos, até chegar a compreender que podemos mudar os homens somente em suas dimensões exteriores.

Mas não podemos mudar a essência de seres humanos. Somente esses, com seus livre-arbítrios e por vontade própria podem transcender suas limitações. Por isso, mesmo numa dimensão infinitamente menor do que dirigir cerca de 1,2 bilhões de pessoas, me senti muitas vezes fracassado, por não conseguir gerar os efeitos multiplicadores preconizados. Por isso faço um esforço para entender o que possa ele estar sentindo, frente ao momento que vive, matéria de muito sofrimento e despojamento frente à realidade maior.

Não há discurso capaz de levar outros seres humanos a empreender reformas em suas vidas, a não ser que esses queiram, por vontade própria e pelo desejo de se tornarem melhores aos olhos divinos. Não há como liderar mudanças em ambientes onde seres humanos não desejam mais do que a manutenção do status quo, ainda que muitas vezes acompanhados de discursos eloquentes em prol de um novo amanhã.

Não há como mudar seres humanos que não querem mudar. E é também por isso que, nesse caso, a oração de São Francisco permanece letra morta nos corações dos homens, uma verdadeira utopia, reconhecida e aclamada por todos, porém ausente em corações humanos, até entre muitos que dizem levar uma vida consagrada. Afinal, o ego se constitui no mais importante obstáculo entre uma alma que busca e consegue alcançar a liberação espiritual.

Ambos os casos citados levam a crer que esses episódios não se constituem uma questão afeta a uma Igreja ou a uma Ordem Esotérica, mas transborda para uma humanidade que, neste momento, ainda não conseguiu harmonizar valores humanos e divinos. Sobre isso lembro-me dos ensinamentos de Maratma Gandhi que disse que a coisa mais difícil de realizar é assumir coerência entre o que se pensa e o que se pratica. Viver com coerência.

E é por isso, também, que juramentos são relegados à letra morta, promessas não são cumpridas, palavras são jogadas ao vento, enquanto nosso discurso passa a ser carregado da máxima popular: " faça o que eu digo, não faça o que eu faço".  

É preciso coragem, determinação para mudar, disposição para obedecer a ordem superior cósmica. Fugimos de nossos sonhos com medo de falhar. Por isso que renunciar a si mesmo é considerado o ato mais sublime.

É por isso que a passagem da raça Atlante para a raça Ária durou cerca de 1.000 anos, pois o ego não quer morrer. E também é por isso que ainda não aprendemos a dar sucessão ao nascimento de um novo homem, mais altruísta, solidário, participativo e respeitador das diferenças humanas, mas, sobretudo, com mais amor despojado para oferecer a seus semelhantes.

Creio que, em nome desse amor, se baseia a decisão de retirar-se da vida pública para deixar seus comandados escolherem seus próprios rumos e realizarem reflexões acerca de seu ato de renúncia.

Enquanto via o Santo Papa oficiar aquela missa passei a imaginar se, em seus pensamentos, cheios de consciência expandida e repletos de humanidade, não estariam as palavras de seu principal Mestre e inesgotável fonte de inspiração, que dizia a seus fiéis: "Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem".

No momento em que tanto se especula sobre quem será seu sucessor e quais os rumos que a Igreja deve assumir, Bento XVI deixa uma enorme lacuna para todos os católicos realizarem uma reflexão sobre erros e acertos, rumos e intenções proclamados pelos católicos ao início de um novo milênio.

E conclama a todos os católicos a se "renovarem" e a "se reorientarem em direção a Deus, rejeitando o orgulho e o egoísmo. Com efeito, é um momento oportuno para essa reflexão. Afinal é isso que ele pretende fazer a partir de agora e pelo resto da vida carnal que ainda lhe resta.