quinta-feira, 18 de abril de 2013

Besouromania

Mal tinha completado meus 13 anos quando ouvi, pela primeira vez, no rádio (é claro!), uma música diferente, completamente fora dos padrões da época. Aos poucos fui me sentindo atraído por ela, à medida que meus pais colocavam as suas mãos sobre a cabeça, simplesmente horrorizados por seu ritmo "alucinado" e estridente. Meu pai, que adorava ouvir tango e músicas gauchescas, balançava a cabeça. Minha mãe, cujo apelido, na época, era "generala", gostava de valsas, polcas e alguns autores eruditos, também dizia que aquela melodia "endiabrada" não era música. "Que horror", dizia. 

Fui, aos poucos, penetrando naquele ritmo, produzido por quatro rapazes de Liverpool, até que já fazia parte de mim.  Costumava sair em companhia de meu mais fiel e contumaz amigo, o Alfred, a quem ainda tenho a sorte e o privilégio de contar com sua amizade, passados tantos anos. Íamos e voltávamos da escola de primeiro grau, cantarolando e, na maioria das vezes, desafinando os versos de "She loves you", "A Hard Days Night", " And I Love Her", " Twist and Shout" e tantas outras. 

Os Beatles, ou simplesmente, os besouros provocaram uma verdadeira revolução cultural mundial, talvez a primeira delas em busca da mundialização, vésperas da globalização, ainda que os recursos tecnológicos e fonográficos daquela época tenham sido incipientes, pois a principal mídia era o rádio, além, é claro, dos discos produzidos em acetado, as chamadas "bolachas pretas".

Por muito tempo os Beatles dominaram as paradas musicais dos principais países consumidores, mas sua existência, no mundo artístico, durou apenas sete anos. Deixaram um inigualável tesouro artístico: 13 álbuns,  que vão desde o "Yeah, Yeah, Yeah" até "Revolutions", em 1970, quando eu já ingressava em meu curso universitário. 
 
Creio que as novas gerações mal tenham ouvido falar de sua existência. Mas o mundo do Rock deve muito a esses quatro rapazes, quase tudo. Eles usavam cabelos esquisitos, justamente como obra do acaso de terem molhado suas madeixas e não terem encontrado tempo para enxugá-los antes de uma apresentação. Era o início do rompimento do status quo vigente nos anos pós-guerra. Por onde passavam, eles provocavam verdadeiras histerias grupais e arrastavam multidões, tanto na Inglaterra, quanto nos Estados Unidos. 

Para mim, a febre passou e suas primeiras músicas, mais comerciais, foram por mim consideradas como irremediavelmente deixadas no passado, assim como as memórias de experiências vividas ao som daqueles rapazes ingleses. Um fenômeno que veio, sacudiu e simplesmente passou, assim como tudo passa nesta vida.

Mas, a partir deste mês, começou a circular pelas nets um documentário, que trás a assinatura de Martin Scorcese, intitulado " Living in Material World ", resgatando a vida de um dos mais enigmáticos componentes daquela banda: George Harrison. Dividido em dois capítulos, o documentário faz a trilogia de Harrison desde os tempos que era um Beatle.  


BESOUROMANIA EM REVISTA 

Eles não foram somente inovadores nas melodias e nas letras, na forma de vestir, falar ou em seu gestual, mas até mesmo na forma de se estruturarem para trabalhar. Os Beatles não tiveram lideres. Eram absolutamente solidários e acéfalos. Tudo era dividido e repartido de forma grupal. Nos primeiros tempos, os quatro integrantes cantavam e tocavam músicas compostas por John Lennon e Paul Mc'Cartney, às vezes à quatro mãos, às vezes alternadamente. Depois veio George Harrison cujas primeiras composições não receberam a unanimidade, entre os membros do grupo, e, portanto, não eram gravadas. Mas quando compôs "Something" não parou mais. 

Liderava o grupo, na composição dos arranjos e harmonias, aquele que tinha composto a música que estava sendo trabalhada. Os demais seguiam o tom dado pelo compositor do momento. De início as músicas tinham objetivo claro: fazerem sucesso, ganharem dinheiro e serem populares. Mas quando a fama veio descobriram que isso não era tudo. Ao contrário. Cedo descobriram que, ao participar de um projeto musical, estariam produzindo a si mesmos. E, por isso, relativizaram o sucesso, ignoraram a importância de serem populares e adotaram um estilo que reflete as diferentes fases de busca de suas questões interiores.

Toda a trilogia dos besouros e também de cada um deles responde pelo desejo imanente de quatro homens em busca de suas essências, de querer compreender ou traduzir os grandes enigmas da existência, contribuir para a formação de uma sociedade que resgate a paz entre os homens, o amor e a fraternidade como pilares de uma sociedade mais justa e participativa. 

Eles lideraram um movimento contra os padrões autoritários e despóticos da época, da educação rígida, da submissão ao poder paterno em favor da liberdade de pensamento, da livre manifestação e do respeito às escolhas que os indivíduos devem fazer nesta vida. Foram os precursores de uma sociedade liberalizada, que foi aos poucos modificando-se e que se encaminha, hoje, para experimentar o outro lado: os excessos  do individualismo. Justamente por deixar o materialismo, o consumismo e o imediatismo serem os elementos norteadores e, assim, abandonarem os valores transcendentes que levam à consciência de si e à agregação social.

Paradoxalmente, os Beatles que mais cantaram a paz e a fraternidade entre os homens foram aqueles que morreram estupidamente assassinados. Tiveram a sua privacidade invadida e suas vidas ceifadas por verdadeiros animais brutalizados e bestializados. Ambos buscaram o amor de livre expressão, propugnados durante os anos 80, e tiveram que, para isso, viver de um aparente paradoxo: a ilusão de um lado e o mundo concreto, de outro, como matéria-prima de inspiração, criatividade e inventividade em suas inúmeras canções.

Se mergulharmos em suas histórias pessoais, veremos que os quatro rapazes buscaram ver suas fantásticas vidas sendo construídas usando elementos de cada uma de suas vidas como insumo.  

O mais enigmático, Harrison, era, também, o mais místico, achava ele mesmo paradoxal viver a espiritualidade e participar das turnês. Sempre buscava colocar sensibilidade em tudo o que fazia, porque, expressando o próprio pensamento do grupo, dizia que em tudo era necessário colocar um tempero para dar gosto às experiências vividas. 

Seu colega, Johnn Lennon, falava sempre em manter, usando um tom até mesmo arrogante, o próprio caminho como guia: ambos acreditavam que deviam duvidar de tudo aquilo que não fosse fruto de suas experiências e certezas interiores. 

Foi nesse contexto que Lennon chegou a afirmar que a popularidade deles era maior do que a de Jesus Cristo. Essa frase, na época, causara grande alvoroço da mídia e indignação por membros de igrejas, mas pouco entenderam esses críticos o significado desta afirmação.

Num tempo em que emergiam novas igrejas, pregando dogmas e doutrinas voltadas à submissão, ao poder de falsos líderes e o cerceamento da liberdade de o indivíduo seguir suas inclinações interiores, quis fazer referência à autodescoberta, feita fora dos templos, mas no silêncio da vida interior capaz de validar as grandes verdades herdadas de outros homens. 

O seu principal recado, creio eu, tenha sido: Deus está em todo lugar, mas, principalmente, dentro de você. Essa simples realidade quebrava o paradigma de um Deus pessoal, nivelador, punidor, para simplesmente acreditar que Deus é amor e, para isso, é necessário amar o seu próximo como a si mesmo. Creio que Lennon quis dizer que, em sua verdade, não via em Jesus Cristo, estigmatizado pelas igrejas, pela doutrina ou pelo dogma, como um ser capaz de segregar ou oferecer castigo a quem não se alinhasse às leis geridas pelos homens.

Harrison dizia que tinha vindo a este mundo para resgatar o seu Karma. Para isso se propôs a viver intensamente. Não queria esgotá-lo em várias vidas, queria fazer tudo aqui e de forma definitiva. 

Por isso se interessava por quaisquer assuntos de caráter espiritualista,até chegar a se dizer um especialista em espiritualidade. Na canção " My Sweet Lord" fez seus primeiros acordes inspirados na música gospel, para chegar, depois, a tão recitar "hare krishna, hare krishna, krishna hare, hare krishna, uma letra considerada por ele como simples, repetitiva, um verdadeiro mantra, segundo ele, capaz de conter a vibração de sons místicos. "Você fica hipnotizado e não quer mais parar de recitar" dizia ele. A canção abria as portas para seu mundo interior.

George sempre esteve comprometido com sua espiritualidade indiana. Sobre isso, muitos lhe perguntavam o que estaria fazendo, algumas vezes, nas  águas do ganges à meia noite? 

Acordava cedo, meditava e seguia atividades espirituais de rotina. E sempre procurava levar isso às suas músicas. Sempre estava em busca da nota certa, o som marcante e a condição de tocar tal como meditava, transcendendo limites, em busca de um encontro com sua alma através de sons produzidos por sua guitarra. 

Em ambos os momentos, quando tocava ou quando meditava, fazia verdadeiras digressões, sempre levando em conta de que estava entre dois mundos, querendo "transformar o mundo material numa coisa boa". 

Certa vez, quando os quatro besouros ainda estavam vivos, lhe perguntaram o que achava da volta dos Beatles. Usando sua tradicional franqueza simplesmente disse: " ridículo ". "Não me vejo mais como um astro do showbiss". 

Nem por isso os integrantes do famoso conjunto deixaram de ser vistos juntos, uma vez desfeito o conjunto, alimentando sua sempre presente amizade e buscando manter as mesmas referências existenciais que os uniram em Liverpool. 

Mesmo depois de receber oito facadas e estar em estado crítico, recebeu seu colega Ringo Star e usou de sua tradicional ironia e espírito brincalhão para lhe perguntar: "queres que eu o acompanhe" referindo-se à visita que Ringo deveria fazer, ao sair dali, à sua filha, que também apresentava problemas de saúde. Foi nesse momento que disse à sua esposa: "bem, já que estou sendo assassinado, tenho que buscar o desapego".

E eu pergunto: "será que não foi isso que fez ao longo de um período considerável de sua vida"? 

Penso que tenha usado o dinheiro, sem se deixar usar por ele. Preconizou a paz, praticou a amizade que gerou um longo círculo de amigos, entre eles Eric Clapton, de longa data, Bob Dylon, Jacke Stuart, Leon Russel, Ravi Shankar, e muito mais. No casamento, cultivou o amor, a amizade e as coisas engraçadas que a vida pode oferecer. E, ao deixar este mundo, conseguiu exibir uma aura de felicidade de quem encontrou o seu tesouro, depois de muito buscar. 

Os Beatles nasceram em mim para que pudesse quebrar os meus paradigmas de adolescência. Inspiraram-me, durante muito tempo, me ensinando que a vida é uma busca. E, finalmente, chegam à plenitude sexagenária na certeza de que devemos relativizar tudo aquilo que não experimentamos por nossos esforços e dedicação. Na vida, assim como em suas músicas, devemos sair em busca da nota certa, do som marcante e da magia que vem da alma, através de nossos instrumentos existenciais. O resto pertence ao mundo do showbiss. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

Breve reflexão sobre o futebol no Brasil

No momento que inicio a presente reflexão, jogam Paris Saint Germain e Barcelona, partida transmitida ao vivo, tanto pelas principais emissoras de televisão brasileiras, quanto por emissoras de rádio e sites da internet. As atenções futebolísticas se voltam para Paris, França, dentro de uma liga milionária, a européia.

Dizem que, no Brasil, temos mais de 100 milhões de técnicos de futebol. Não me considero um deles mas também gosto de uma boa partida de futebol. Nâo escondo de ninguém as minhas preferências, ao torcer pelo Sport Clube Internacional de Porto Alegre, o chamado Colorado. Meus ídolos de infância e adolescência foram Bodinho, Larry, Elias Figueroa, Claudiomiro, Dada Maravilha, Dunga,e tantos outros que, hoje, em sua maioria ninguém mais ouve falar.

De minha infância para cá o futebol "evoluiu". Naquele tempo, as promessas diziam: quero me tornar um craque, quero estar entre os melhores. Hoje os jogadores dizem: "quero me tornar rico e famoso. Quero ficar conhecido para jogar na Europa".

O futebol se profissionaliza desde a base. Menino de varzea já não tem mais vez. Ou ingressa nas escolinhas  de base, já recebendo contrato envolvendo enormes somas como "futuro craque" ou não precisa colocar chuteira e entrar em campo. Os empresários mandam, os times lutam para saldar as suas folhas de pagamento, a mídia faz o seu marketing, cria mitos como Neymar, um bom jogador, mas aquém do status conferido pela grande imprensa, que chegou a tentar edificá-lo como melhor do que Messi.  

O resultado é esse: sabemos mais dos times da União Européia do que dos clubes que disputam os atuais campeonados estaduais. Os estadios estão vazios, a renda é baixa, os salários estão atrazados, os desníveis são acentuados. Para se ter uma idéia: amanhã o meu time inicia a sua caminhada pela Copa do Brasil, enfrentando o Rio Branco, time do Estado do Acre que também joga com as mesmas cores do colorado gaúcho, vermelho e branco. Mas a diferença termina aí.

A folha do colorado do sul gira em torno de R$6 ou 7 milhões mensais. A folha do Rio Branco gira em torno dos R$80 mil por mes, para cobrir despesas com jogadores, comissão técnica e funcionários do clube. A grande alegria da diretoria é ver a folha paga.

Quem, no Brasil, ouve falar de Rio Branco, Desportiva, São Mateus, Espírito Santo? Pois estes são os principais times do Estado onde vivo. Mas observo o capixaba torcer mais pelo Flamento, Fluminense, Botafogo, Vasco ou Corintians. Enquanto os campos, onde jogam, atraem poucos torcedores, os bares lotam por aficcionados do futebol, o futebol praticado no Rio ou em São Paulo.

Mas nem esses possibilitam os melhores espetáculos, pois a fraca atuação, só para exemplificar a campanha  tímida do Flamengo no campeonado carioca, time de maior torcida do Brasil, repleta de tropeços, justamente contra times pequenos, obrigando dirigentes a promoverem verdadeiras faxinas em seu elenco. O resultado? O torcedor se desespera, se irrita, quer a vitória, nem que seja na marra, quer ver o seu time ganhar. Organizados em torcidas, os torcedores agridem e provocam tumultos, quando os times realizam má campanhas.

Enquanto isso, investe-se somas vultuosas na reforma, apliação e construção de estádios, num País que carece de boa educação e, principalmente, uma boa rede de saúde. E ainda por cima sob denúncias de irregularidades, má gestão e falta de segurança coletiva. Triste contraste.

Com profundo pesar assisti o atual técnico da seleção, Luis Felipe Scolari, que comandou uma campanha medíocre à frente do último time que dirigiu, dizer que o Brasil tem a obrigação de ganhar a próxima copa. Estamos desorganizados demais para isso. Empobrecidos e "profissionalizados" demais.

 Enfim, a esta altura o jogo já terminou, enquanto faço minhas digressões. Jogo de cumpadres: terminou empatado. E, na sequencia, penso que o melhor futebol do Barcelona algum dia se inspirou no futebol brasileiro para chegar onde chegou. Triste contraste. Triste realidade.

A continuar a prevalência desse quadro, tenho que me contentar, num simples dia de semana, a apertar o botão da telinha e ver o futebol europeu e, principalmente, o desinteresse da mídia nacional, monopolizada e cartelizada, esconder a atuação dos clubes brasileiros, jogando em busca de novas glórias, mas ainda em preto e branco.

Nenhuma seleção ganhou tantos títulos quanto a canarinha. Devíamos ter orgulho disso, devíamos ter os melhores estádios, os melhores times e os melhores jogadores. Devíamos ter orgulho de termos o melhor futebol do mundo. Mas agimos como colonizados e não como verdadeiros colonizadores que muitas vezes ensinamos futebol para as demais nações. Em lugar disso temos apenas futebol mediano para mostrar, cuja principal finalidade é preparar jogadores para jogar na Europa. Ou para recebe-los de volta, quando não fazem mais sucesso no exterior, não gozam da mesma fama e, invariavelmente, são meros reservas em times que possuem menor tradição.

Saudades dos tempos de maracanâ lotado e dos grandes espetáculos. Saudades dos tempos em que se ganhava pouco e jogava-se muito. Do tempo que camisa tinha poder e fama era consequência, não objetivo. De lá pra cá, alguma coisa se perdeu. De quem é a culpa?

Certamente os gandulas são fortes suspeitos. E, se não forem eles, quem mais responde pela inversão de valores e interesses corporativos? Quem responde por conhecermos mais sobre o Paris Saint Germain ou Barcelona do que os times que disputam o Campeonato Nacional? Quem mais responde pelas desigualdades na destinação do dinheiro público, enquanto nos portamos como subdesenvolvidos a espiar o que acontece no chamado mundo civilizado?