sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cansaço

Neste domingo o Brasil vai às urnas. É a grande festa democrática, onde pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, em plena saúde ou em condições especiais, vão ter o mesmo direito pleno de escolher seus governantes. E, em conseqüência, a definição dos destinos deste País, durante os próximos mandatos.

Mas confesso que estou cansado para escolher meus candidatos. Estou cansado pela falta de verdadeiras ideologias, pela falta de fidelidade partidária, de compromissos político-partidários destituídos de Programas de Governo bem elaborados, consistentes e coerentes, de plataformas coerentes que dêem credibilidade aos compromissos assumidos.

Estou cansado de candidatos oportunistas, cansado de ouvir seus discursos vazios, de direita se alvorotando a fazer inflamados discursos de esquerda e de esquerda se alvorotando, com o peito cheio de soberba, a fazer discursos visionários, que nada tem a ver com a democracia, nem mesmo são compatíveis com a realidade onde se inserem.

Estou cansado de falsas promessas, pois Deputado não executa obras, não faz a gestão dos recursos do Executivo, não operacionaliza leis, não tem poder de polícia, não administra escolas, nem hospitais, nem comanda a construção de estradas ou pontes, terminais de transportes, nem metrô, nem quaisquer outros equipamentos urbanos.

Deputado não faz nada disso. Deputado elabora leis. Ponto. O resto é demagogia.

Estou cansado de ver desfilar, por meu aparelho de televisão, candidatos que ostentam apelidos picarescos, que denigrem a dignidade do momento solene pré-eleitoral. E o que mais me desanima é ver candidatos semi-analfabetos, liderarem pesquisas, ex-jogadores de futebol, sem quaisquer vivências com as letras, contarem apenas com sua popularidade, para atingir os eleitores mais incautos, líderes religiosos deixarem de tratar de sua religiosidade para buscarem o ingresso na grande arena política que marca o jogo de interesses.

E, ainda, de candidatos enxergarem uma boquinha para se escorar, num cargo político, que, além da compensação financeira, é acompanhada por vantagens adicionais raramente oferecidas pelo mercado formal de trabalho, tais como verbas de representação, recursos para formação de staff, subsídios ao exercício de suas funções, férias prolongadas, direitos trabalhistas estendidos, aposentadoria especial e tantos outros favorecimentos, isso sem falar do prestígio que seu nome passa a desfrutar como " legítimo representante do povo, sufragado pelo voto popular e a possibilidade de virar mito.

Estou cansado de candidatos à Presidência, com complexos de inferioridade, apontar os defeitos alheios para diminuí-los frente à opinião pública, para, assim, mostrarem-se mais capazes de gerir os destinos deste País. Estou cansado de ver candidatos que fizeram parte de governos condenarem a administração a qual participaram como integrantes. Estou cansado de velhos caudilhos abandonarem partidos políticos e se esquecerem da visão político-ideológica, que os alimentou durante o tempo em que estiveram em suas fileiras. Estou cansado de candidatos que precisam se escorar na popularidade alheia para legitimar o seu carisma, sem o qual, talvez, tal condição não seja reconhecida.

Estou cansado de assistir debates mornos para evitar-se o confronto e a mácula a suas bem traçadas diretrizes de marketing político. Como dizia meu avô: “Lobo não come lobo”.

Tudo fica na mesma panacéia. Por isso estou cansado. Estou cansado de ver candidatos ignorarem os feitos heróicos de nossos antepassados que lutaram pela independência e glória de nosso povo, derramando seus sangues para que nós um dia pudéssemos desfrutar o direito de exercer, pelo voto, a nossa cidadania e a nossa soberania.

Estou cansado de alianças de interesses, conchavos e acordos, onde os principais cargos já estão rateados, antes mesmo de a eleição ser realizada, visando garantir que ninguém perca a sua fatia de poder e ascensão ao comando do Estado brasileiro. Estou cansado de não ver a verdadeira democracia vigir neste País. De tributar-se a mesma relevância aos bastidores quanto nos palcos da democracia. Da inexistência de verdadeiros e autênticos líderes nacionais, verdadeiros estadistas, capazes de se esquecerem de seus interesses e renunciarem a suas ambições para simplesmente servirem à vontade de um povo a que representam e à qual prestam juramento, no momento em que são empossados.

E, na mesma linha, de mandatários dos Executivos e dos legislativos estaduais afinados com as causas do povo que representam. Que deixem de polir seus egos, deixem de buscar ascensão ao poder político e econômico, para simplesmente tornarem-se verdadeiros servidores públicos, como o próprio nome já sugere. Que deixem de legislar em causa própria, obter benesses pessoais, fazer concessões e ou cooptarem em nome de sua condição mandatária.

Tenho que vencer essa preguiça e fazer minhas escolhas. Mas também não quero optar por ser guiado pelas grandes correntes que apregoam o voto útil, para não me sentir marginalizado do meio em que vivo. Nem mesmo de, como eleitor, identificar as vantagens que terei ao eleger esse ou aquele candidato, segundo meus próprios interesses pessoais.

Quero votar no menos marqueteiro e no mais sério e compromissado com as mudanças deste País. Quero crer em candidatos que ainda não atingiram a popularidade nas urnas mas que sejam mais coerentes com suas plataformas políticas, destituídos da malícia e do jogo de cintura e mais afetos às ideologias que abraçaram.

Não me importa que me chamem de velho gagá, desfocado da realidade, ou mesmo de ser esquisito porque escolho o diferente, o novo, o ainda não corrompido pelos jogos de interesse. Pois creio que assim estarei defendendo verdadeiras mudanças para esse Brasil varonil que tanto precisamos. Quero dizer um basta a este status quo existente, que ainda não discutiu as reformas política, tributária e estrutural que tanto precisamos, por estar afeto aos interesses dos que desejam conservar o status quo vigente.

E depois de votar no menos aquinhoado pelas urnas, quero assistir ao filme “Invictus” para inspirar-me na interpretação impecável de Morgan Freeman na pele do lendário Nelson Mandela, que passou pelos calabouços, de governos segregacionistas, em seu processo de aprendizado de como ser um verdadeiro estadista, e mais tarde dirigiu a sua África do Sul, nos anos 1994 e subseqüentes, renunciando às aspirações pessoais e nutrindo o amor a seu povo, que o reconheceu e o amou, por se inspirar nos princípios da verdadeira democracia, aquela que acabou com a diferença entre brancos e negros, pobres e ricos, ensejada por mais de 40 anos, como uma verdadeira afronta aos direitos universais do homem.

Não podemos mais aplicar um modelo eleitoral, ratificado no século XX para vigorar em pleno século XXI. E, enquanto não acordarmos para essa realidade, estarei apenas vencendo o cansaço, vencendo a mesmice e sonhando com um novo amanhã, uma nova forma de elegermos nossos governantes, a ser concebida pelo povo e para o povo, sem máscaras, sem marketing, sem dominação das massas, mas respaldada por ações efetivas, diretamente compromissadas com as reformas sociais tão necessárias à sociedade brasileira. Aí sim deixarei, se ainda estiver nesta forma de existência, o tédio e o cansaço para ativamente abraçar o verdadeiro sentido para onde deve caminhar a verdadeira cidadania.

Nenhum comentário:

Postar um comentário