segunda-feira, 26 de outubro de 2009

IMAGEM

Todos nós temos uma imagem a preservar.

Não basta abrir os olhos para a vida, olhar sujeitos ou objetos, através de nosso olhar peculiar, aprender a enxergar o que está subjacente ao que nossa retina consegue captar, identificar o que é essencial para a existência, expandir a consciência para levá-la a compreender as grandes verdades universais.

É preciso alimentar a voraz fome de construção de nossa imagem pessoal, para que os outros nos vejam através dela, como filtros que recomponham a luz e permitam uma imagem instantânea adequada, captadas por lentes de uma máquina fotográfica.

Esse aparente desprezo pelo simples, pelo tangível, não nos serve, pois nossa visão imediatista acredita que a melhor forma de alcançarmos a eternidade seja através de uma imagem construída, um rótulo que retire nossas imperfeições e enalteça nossas virtudes, a serem mantidas como ícones de verdadeiros super-homens que passam à eternidade como verdadeiros mitos.

Somos ególatras que não encaram o próprio ego como uma ferramenta, mas como um fim em si mesmo, verdadeiros buracos negros que vão, aos poucos, sorvendo pedaços de humanidade que habitam em nós.

Esse ego que criamos para nossa libertação, mas que, aos poucos, se converte em verdadeira figura opressora que nos escraviza:

“O que os outros vão pensar”? “Falem bem ou mal, mas falem de mim”!”Eles me adoram!” Eles não podem viver sem “mim”. “Sou mais eu”!

Necessidade imanente, busca constante, alcance efêmero, vamos utilizando-a como escudo e também como trampolim para reafirmar a nossa presença neste Planeta.

Seguir nossas próprias pegadas, superar limites, enfrentar desafios, sem deixar que nossa imagem sirva de referência. E, quando ela é posta em cheque, pelas adversidades, nos dispomos a reconstruí-la, tal qual um barco que precisa de uma bússola para singrar os mares em busca de aventuras.

Nosso ego trabalha a imagem como condição essencial para vivermos emoções e deixar nossas pegadas por onde passamos, até que os ventos do destino às apaguem, e até que uma nova cruzada seja empreendida, sempre pela teimosia de imprimir, de forma duradoura, as marcas por onde passamos.

O que nunca sabemos é se ela, a imagem, conseguirá construir vida própria, e sobreviver à nossa morte, para alcançar a eternidade, já que morrer faz parte da inexorabilidade da vida.

Difícil mesmo é renunciar. Senão de forma espontânea, de forma compulsória.


A renúncia caminha em sentido contrário à imagem e, por isso mesmo, é relegada como filha indesejável que nasce de um simples ato de prazer. Ao contrário, prevalece nossa eterna busca pela alquimia de fazer transformar imagem em mito.

“O Mito é o nada que é tudo”, como dizia o poeta Fernando Pessoa, Renunciar x Preservar a Imagem é o grande dilema deste século.

E assim seguimos pela vida, procurando a nossa identidade a partir dos ícones que herdamos de nossos antepassados, cujo nome é um selo de nossa individualidade.

Sobre isso escreveu o saudoso poeta Mario Quintana:

“Um ser humano só é ele mesmo enquanto os pais ainda estão discutindo um nome para batizar. Até então é anônimo, como um animalzinho sem dono, simples filho da Natureza e de mais ninguém. Sem laços de parentesco e outras contingências sociais. E, depois, estará correndo o riso de lhe darem um desses horrorosos nomes tradicionais de família”.

Lúdica paixão pela imagem, tão passageira, tão impessoal quanto o passar das horas.

Mas como escolher um outro caminho, sem imagem, porém com conteúdo? Basta encontrar o caminho do verbo e não do sujeito, cuja ação nos transporta pela estrada que nos dá a plenitude da criança, antes que o nome nos encontre, antes que a imagem seduza, como verdadeiro ópio que vai nos afastando do que é essencial para nossa eternidade.

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