quarta-feira, 30 de setembro de 2009

TÊMPERA

Lembro-me bem, apesar de passados quase trinta anos, quando visitei, pela primeira vez, o Município de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Cidade acolhedora, natureza pujante, povo hospitaleiro, economia calcada no turismo. Pois foi lá que tive uma das mais expressivas experiências de vida.

Fui recepcionado por um dos meus melhores amigos, que já tive nesta vida, embora, depois disso, tenha desaparecido de minha vida sem sequer revelar o motivo. Não há mágoas nem ressentimentos, somente reverências e gratidão a
esse amigo, que já não sei mais por onde anda.

Acomodado em sua bela e muito confortável residência, fiquei hospedado num quarto de onde, pela janela, descortinava a vista de um belo e majestoso pico, mata verdejante e um pequeno lago.

O cenário era tão luxuriante que lhe convidei para fazermos um passeio pela região. Aceito o convite saímos caminhando em meio à mata e aos campos inclinados por uma topografia acidentada, onde a declividade, às vezes, nos obrigava a curvar os nossos corpos para mantermos o equilíbrio.

Subimos uma ribanceira para chegarmos a um patamar de onde se descortinava toda a região entorno e de onde podíamos avistar de perto o vôo das águias em busca de suas presas.

O preço pago por tal aventura foi a longa caminhada de volta, que passou por matas fechadas, nos tirando o senso de direção e a consciência do tempo a ser gasto até nosso lugar de origem.

Demoramos a aceitar o inexorável fato de estarmos perdidos, embora meu amigo fosse morador daquele local. Para isso ele sugeriu que subíssemos numa pequena plataforma que permitiria um vislumbre do sitio urbano e assim ele se localizar em relação ao rumo e o trajeto a ser seguido.

Ao subirmos por aquela pequena ladeira, descobrimos que sua casa estava localizada em linha reta, um pouco abaixo de onde estávamos. Era fácil: bastava seguirmos alguns marcos visuais, caminhando em linha reta, para simplesmente chegarmos ao nosso destino.

Mas o que parecia fácil e simples se revelou uma das mais difíceis experiências vivenciadas em toda a minha vida.

Entre o local onde estávamos e o nosso destino havia uma área extensa de capim gordura, que possuía dois metros de altura, aproximadamente, e, portanto, não permitindo visualizarmos nada senão aquela montanha de capim.

O sol já estava alto. Nós estávamos vestidos de bermuda e chinelo. Por isso o calor e a pouca roupa foram as primeiras adversidades, porque a cada passo que dávamos, o capim se enroscava em nossa pele suada e seus espinhos provocavam cortes que doíam como navalha. A vegetação espessa impedia o avanço rápido, obrigando-nos a dar passos lentos, vigorosos, para quebrar a barreira vegetal, assim como o advento de cada corte fazia doer não só a pele, mas a própria alma.

Atravessar aquela vegetação por quase duas horas de caminhada foi uma verdadeira tortura. À medida que avançávamos, em nossa caminhada, o cansaço aumentava, assim como a dor pelos cortes e pela coceira provocada pela mistura de suor e seiva.

Então comecei e não parei mais de me queixar ao meu companheiro de infortúnio, por cada uma das dores sofridas, bem como pelo sacrifício da jornada. Ele ouviu, por um longo tempo, as minhas lamúrias em silêncio, até que não agüentou minhas súplicas e me perguntou: o que eu posso fazer? O jeito é aprender a suportar a dor.

Pronto. Lá estava eu com um proveitoso material para análise e aprendizado. Depois de duas horas de verdadeiro inferno, saímos num campo roçado, localizado a poucos metros da residência de onde tínhamos partido. E não parei mais de pensar o quanto nos deixamos levar pelas fraquezas de nosso ego. Por tão pouco, deixamos a nossa auto-estima abalada e por isso mesmo, pela piedade a nós deixamos de seguir em frente.

A pena que sentimos em relação a nós é essencialmente maior do que a determinação e a têmpera para vencermos os obstáculos. Quantas vezes recuamos, desviamos e fugimos da luta por termos pena de nós mesmos? Quantas vezes deixamos de acreditar em nossa capacidade para enfrentarmos os obstáculos que se interpõem entre nós e o nosso destino final?

Quantas vezes nossa presunção nos leva a acreditarmos que, para chegarmos onde queremos, basta seguir em linha reta, através de uma caminhada visível aos olhos, porém ignorando os obstáculos por onde temos que passar?

Queremos, muitas vezes, atingir nossos objetivos sem caminharmos até lá. Ou não passarmos por obstáculos, que queimam a nossa carne e provocam dor em nossa própria alma, muitas vezes aumentada por nossa auto-piedade. Para tudo há um preço. E, quando a pela começa a doer e a coçar, é porque nossa tempera está começando a ser testada.

Nesse caso, o melhor a fazer é deixar de olhar o prazer que nos aguarda e voltar toda a nossa atenção a cada passo que damos, renovando forças e buscando coragem renovada para chegarmos, novamente, aos campos limpos e fáceis de caminhar. Senão, as contingências que a vida nos reserva fará a sua parte, criando situações onde somos compelidos a atravessarmos campos hostis, se quisermos chegar ao remanso e o conforto de olharmos a natureza pujante como lazer e prazer.

E mesmo não pensando nelas, as adversidades chegam, sem convite, para lembrar que ninguém vem a este mundo a passeio. A tempera só nasce onde haja, antes, a ousadia e determinação, mesmo que essas estejam acompanhadas por dor e sofrimento. Quando menos esperamos, encontramos a adversidade onde esperávamos encontrar uma estrada aberta e confortável, fruto mais de nossos devaneios do que a dura realidade que o destino nos coloca por onde devemos passar.

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