quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Economia Providencial

Nunca, na história da humanidade, o homem atingiu tamanha ousadia e superação de limites, em suas ações, como agora, até chegar a constituir uma sociedade do conhecimento. O ritmo de geração de novos conhecimentos e descobertas acontecem de forma exponencial, não sendo impossível até mesmo pensarmos em uma nova revolução industrial, como resultado da construção de nanomáquinas.

Mas, como nessa vida tudo tem o seu preço, há que se cuidar para que os efeitos nocivos desse processo, não venham levar a humanidade a comprometer, de forma irreversível, a sua trajetória.

É o que acontece em relação à combinação do binômio avanço tecnológico x consumo. Isso é: a todo o momento somos bombardeados por apelos, através de campanhas publicitárias, que estimulam o consumo como forma de mantermos o status quo no meio em que vivemos, sempre a partir da perspectiva de acompanhar e adquirir produtos que contenham inovações tecnológicas. Afinal, quem não gosta de novidades? E o resultado? Nos tornamos consumidores contumazes.

Até nos tornarmos, nós mesmos, verdadeiros objetos de consumo: queremos, sempre, andar de carro novo, usar aparelho celular de última geração, adquirirmos roupas criadas por estilistas famosos, freqüentar bons restaurantes, dispormos de computadores que incorporam tecnologias de ponta, termos, em nossas residências, os eletrodomésticos de última geração, para obtermos, em troca, o gosto de sermos reconhecidos por nosso próprio glamour. Até ouvirmos: “Ele(a) é o cara”!

Tudo gira em torno do dinheiro e sem ele somos peças marginalizadas.

Lembro-me o exemplo de uma pessoa próxima, que , num certo dia ensolarado de sábado, deu uma saída e retornou motorizado. “Olhem o carro que comprei” “Pela bagatela de R$19.000,00 por um bem conservado veículo ano 2002.

Vou pagar R$540,00 por mês. Coube direitinho em minha renda mensal.

Peguei a calculadora e, após alguns toques no teclado lhe perguntei: “Você sabia que comprou um carro que custará, ao final do financiamento, a bagatela de R$32.000,00, pagos por um veículo com 7 anos de uso? E que a taxa de juros está beirando os 2% ao mês? E que o preço final será muito superior ao preço de um carro zero”? É claro que nada disso foi considerado.

O brasileiro é assim: primeiro “sente” o impulso de ter algo valioso, na escala de consumo. Aí verifica se a prestação cabe em seu bolso. Em seguida, busca tê-lo em mãos, o mais breve possível. Sem pensar que seu afã lhe deixará, como neste exemplo, amarrado por 60 longos meses a uma financeira.

Não há planejamento, nem maturidade. Apenas impulsividade e consumo imediato. Se esquecem que as grandes lojas não vendem fogões, geladeiras, televisões, mas o seu negócio principal é emprestar capital a juros elevados. Os artigos são meros chamarizes para o acesso ao dinheiro caro.

O excesso de apelo faz com que não saibamos mais discernir entre necessidades essenciais e necessidades criadas por nosso modus consumista.
Afinal, consumir tem algo a ver com a satisfação da alto estima. Se estamos deprimidos, vamos ao shopping e compramos, compramos até restaurarmos a nossa alegria. Compensamos nossa baixa auto-estima pela possibilidade de voltarmos para casa cheio de sacolas com grifes da moda.

Se estamos alegres, consumimos para comemorarmos que estarmos de bem com a vida. “Afinal eu mereço”. A medicina arrumou um nome apropriado para isso: “síndrome do consumidor compulsivo”.


É preciso trabalhar essa questão dentro de si. É preciso praticar a economia providencial como forma de disciplinar nossas necessidades. Afinal, nossa verdadeira felicidade não depende de nossa capacidade de adquirir compulsivamente.

Não se trata de seguir à risca uma ascética religiosa a exemplo dos primeiros cristãos, guiados por Pedro, que faziam vida em comum, conforme se lê nos Atos dos Apóstolos: “e todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham todas as coisas em comum”; e vendiam as posses e os bens comuns que eram repartidos entre todos, segundo as necessidades de cada um”.

Apenas alguns dos fervorosos cristãos conseguiram cumprir com o ideal de pobreza evangélica que Cristo desejava como fundamento da felicidade de todos. São Francisco de Assis é um dos exemplos mais dignos. O ideal de pobreza franciscana é admirável, gerando a atitude de prescindir do consumo e de despojar-se sistematicamente de todas as posses. A natureza humana se redime pelo sangue de Cristo e se diviniza pela imitação de seu desprendimento total.

Mas essa senda não é para todos. Porque poucos são os que podem realizar a Deus por meio da pobreza total. Até mesmo Francisco teve que reconhecer que seus irmãos frades precisavam de roupas para vestirem, casa para habitarem, livros para estudarem.

Talvez a dimensão budista de optar pelo caminho do meio seja a melhor forma de dosar a questão do consumo: corrigir tudo o que é excesso. Isso é: corrigir atitudes que levem ao afã possessivo e egoísta da humanidade.

A Economia Providencial caminha pela trilha de estabelecer uma harmonia entre as necessidades e os bens que se produz, aperfeiçoando o sentido de responsabilidade social. É o afã possessivo que torna o ser humano pobre e infeliz. O acúmulo excessivo e a especulação, que cerceia a possibilidade de os outros suprirem as suas necessidades, provoca um distanciamento entre o possuidor e a posse, tornando-os forças distintas, antagônicas, que colidem entre si e se desfazem mutuamente.

É lícito acreditar no consumo, como forma de satisfação das necessidades essenciais. Mas há que se criar o hábito de discernir o que se pode e o que não se pode consumir. E até mesmo criarmos o hábito de planejarmos nossas aquisições, além de separarmos, a cada mês, uma pequena quantia para a poupança. Evita-se, assim, ingressarmos, como “vitimas”, na ciranda especulativa que está subjacente ao crédito. E, também, sermos vítimas de nossa sanha consumista, que nos distancia da condição de vivermos de acordo com o que ganhamos.

Isso é o primeiro passo para aprendermos a estimular a nossa consciência social, passando a nos lembrarmos das necessidades alheias. Em outras palavras: “devemos ocupar apenas um lugar no mundo e não dois lugares”, quando seguimos impulsos e deixamos de dar medida a tudo aquilo que vai de encontro às necessidades coletivas.

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