terça-feira, 20 de abril de 2010

A SOLIDÃO E A INSPIRAÇÃO NO POETA

Quem nessa vida ainda não padeceu de solidão?

Para aqueles que disseram sim, é só lidar com ela, é só lidão.

Relendo o poeta Rainer Maria Rilke consigo extrair a essência desta verdadeira digressão:

“Solidão é entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas ... estar sozinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes, porque esses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações... só depois de um dia a gente descobre que suas ocupações são mesquinhas e suas profissões petrificadas, sem ligação alguma com a vida. Por que não voltar a olhá-los outra vez como uma criança olha para uma coisa estranha, do âmago de seu próprio mundo, dos longes de sua própria solidão que é, por si só, trabalho, dignidade e profissão?”

Com efeito, como sugere o poeta, quando a solidão nos bate no peito, é preciso olhar para dentro de si e observar as coisas que nunca nos abandonam, como procurar ver a Deus que se encontra em toda a parte, inclusive em nós. Estás perdido de Deus? Bem, talvez nunca tenhas sido tomado por Ele, como pergunta o poeta: “que coisa então o autoriza a sentir falta de alguém que nunca foi e a procurá-lo como se estivesse perdido”? “Não vês como tudo o que acontece é sempre um começo”?

Sempre estamos acostumados a ver em Deus o inicio de algo, mas poucas vezes pensamos na possibilidade de vê-l0 como um fim, a encerrar tudo em si! E o poeta pergunta: “Que sentido teria a nossa vida se Aquele a que aspiramos já tivesse existido”?

Talvez, essa angústia que sentimos, pelos corredores de nós mesmos, seja o começo de uma nova realidade nascendo. Talvez seja Ele querendo gerar a consciência maior, dentro de nós, e, aí, como sugere o poeta, devemos “procurar dificultar tão pouco o seu nascimento, quanto a terra dificulta o advento da primavera, quando ela tem de vir”.

Sempre digo que há uma tênue porém substancial diferença entre estar só e se sentir só. Sentir-se só é percorrer os caminhos interiores, sem nada encontrar. Estar só é se deixar esvaziar, para que esse vazio se encha de uma coisa nova, que dá princípio e também fim a tudo o que em nós existe. E, quando esse algo chega, só a plenitude pode explicar a sua continuidade.

Ou, como diz o poeta: “ Que sentido teria, com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, independente? Cada um se perde por causa do outro e perde ao outro e a muitos outros que ainda queriam vir. Perde os longes e as possibilidades, troca o aproximar-se e o fugir de coisas silenciosas e cheias de sugestões por uma estéril perplexidade de onde nada de bom pode vir, a não ser um pouco de enjôo, desilusão e empobrecimento.

“Depois esses procuram salvar-se, agarrando-se a uma das muitas convenções que se oferecessem como abrigos para todos nesse perigoso caminho. Nenhum terreno de experiência humana é tão “próprio de convenções como este.. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira, para se transformar em nós mesmos muito antes de vir a acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste. O momento, aparentemente anódino e imóvel, em que nosso futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos silenciosos, pacientes e entregues à nossa mágoa, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino e quando num dia ulterior, vier a 'acontecer' senti-la-emos familiar e próxima.... há que se reconhecer, aos poucos, que aquilo que chamamos destino sai de dentro dos homens em vez de entrar neles... O futuro está firme, nós é que nos movimentamos no espaço infinito”.

E, para aqueles, que não querem conviver com os corredores interiores vazios, antes de enche-los de vida, talvez o horror do devenir, seja, conforme o poeta, uma forma de desamparo que implora o nosso auxílio. Sair ao encontro do silêncio, perseverar nele e buscar transcendê-lo é, antes de tudo, unir passado, presente e futuro, simplesmente num ato de existir, onde a eternidade é quem marca toda a forma de transição, pois a solidão é a evidência maior do silêncio, que não é algo que se possa tomar ou deixar. Somos nós quem temos que admitir que somos sós, e, a partir daí, alterarmos todas as distâncias, todas as medidas, para aceitarmos a existência em toda a sua plenitude, incluindo o inaudito.

Ou, como diz o poeta: “Não é apenas a preguiça que faz as relações humanas se repetirem numa tão indizível monotonia em cada caso; é também o medo de algum acontecimento novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes. Somente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o fundo de sua própria existência”.

E eu acrescento: a solidão, condição inerente ao ser humano, não é um fim em si, mas um sinal, uma revelação, sempre a indicar que mesmo diante de qualquer abismo há sempre uma outra margem, e, mesmo que fiquemos presos a uma de suas bordas, ele migrará para algo bem mais familiar, mais fiel e mais revelador, são circunstâncias de um momento, marcados por dor, inquietação ou melancolia que se transforma em amparo, mão estendida pela própria vida, o verdadeiro triunfo que marca a todos os momentos maiores de uma existência.

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