quarta-feira, 13 de outubro de 2010

San José

Desde o cair da tarde de ontem, terça-feira, 12 de outubro de 2010, os olhares do mundo se voltam para um ponto deste Planeta: a Mina de San José, no deserto de Atacama, no Chile, para assistir, via satélite e ao vivo, o resgate de 33 mineiros. Soterrados devido a deslizamentos na estrutura da mina, no dia cinco de agosto do corrente ano, esses mineiros conseguiram chegar a um abrigo, há cerca de 620 metros de profundidade, e a ser resgatados depois de 70 dias de confinamento, dentro de uma operação considerada exitosa, segundo as condições disponíveis desde o início do caso.
Assim como na política ou no futebol, o assunto é considerado polêmico e certamente contará com centenas de interpretações e juízos. A cada um que esteve à frente de um aparelho de televisão, para assistir a tal evento, é dada a condição de assumir suas próprias considerações, em face da eloqüência das imagens e áudios transmitidos. Por isso pretendo apenas dar o meu pitaco, sem a intenção de me inserir nas polêmicas que tais fatos ensejaram pelos quatro cantos do mundo.
Não foi a chegada de um homem a lua, nem o final de uma viagem interplanetária, nem mesmo o encerramento de um grande episódio universal, mas, sem dúvidas, foi um grande passo para a humanidade.  Primeiro, porque foi o primeiro resgate mundial nas condições em que ocorreram. Em segundo, porque esse fato é rico em conseqüências para a geração de conhecimentos multidisciplinares, nos campos da medicina, da arquitetura, da engenharia, do aporte tecnológico, da biotecnologia e tantos outros ramos da ciência, da tecnologia e da sociologia. E, sobretudo, para a própria espiritualidade do ser humano.
Foi a vitória do planejamento, da disciplina e da organização, envolvendo, desde o início, uma centena de homens, a ajuda de inúmeros países, entre eles o Peru, o Canadá, os Estados Unidos, através dos técnicos da NASA, para balizar a manutenção da vida nas entranhas da Mãe Terra.
Como se cada um dos mineiros tivesse retornado ao útero da Mãe Terra para fazer um novo nascimento, a partir da dor, do sofrimento, do medo do desconhecido, da possibilidade de guiar-se, na escuridão, tão somente pela fé e pela crença em si mesmo. Inicialmente ficaram presos na escuridão por 17 dias, até que equipes da superfície soubesse que estavam vivos.
Lembro-me que, ainda jovem, visitei uma Mina na cidade de São Jerônimo, no Rio Grande do Sul. Fui conduzido ao fundo, há cerca de 100 metros de profundidade, por um elevador e lá percorri inúmeras galerias, sempre guiado pelo farol do capacete que eu usava. A sensação que vivi, no fundo daquela mina, me dá uma idéia das circunstâncias vividas por esses 33 mineiros.
O ar é rarefeito e pesado, a vitalidade diminui, a umidade é muito elevada, o suor ficava contido na própria roupa, sem escoar. No ar ainda estão presentes a poeira de minerais pesados, bactérias e fungos e, no meu caso, um pó preto e fino, oriundo da extração de carvão naquelas profundidades.  
Para além das lâmpadas não há nada mais do que escuridão total, ainda que se ouçam vozes vindas das profundidades. Não há eco, não há a sensação de amplitude e nem outra sensação senão a de pleno confinamento, desconforto e limitação. Não sou claustrofóbico, por isso mantive sobre controle a sensação de estar privado dos raios do sol. O contingente humano que trabalha nas profundezas é sempre muito expressivo e muitos deles apresentam envelhecimento precoce, dada a insalubridade dos ambientes em que trabalham.
Por essa experiência, posso imaginar 33 homens, sobreviventes da do deslocamento e da reacomodação de rochas e terra, circunscritos a um ambiente da câmara onde ficaram, medindo cerca de dois quilômetros quadrados, quase sem ar, sem comida, água ou remédios, convivendo com altas temperaturas, acima dos 40 graus, muita umidade no ar, sem poder avisar aos colegas de superfície que estavam vivos, e, sobretudo, tendo que compartilhar entre si as adversidades, lidando com os mais enfermos e enfraquecidos, vivendo sem a perspectiva de resgate, de sobrevivência, tendo dentro de si o medo, a impotência e a depressão.
A única arma utilizada era a fé, a crença em algo maior, na vontade de superar os mistérios da vida. Tiveram que encontrar, naquelas circunstâncias, a condição de fazer surgir um líder e de gerar solidariedade entre si, as únicas formas de  enfrentarem aquelas adversidades.  E, depois de descobertos pelas equipes de superfície, ainda terem que receber a notícia de que seriam resgatados nos meses de novembro e dezembro deste ano, dentro de uma condição especial, dados os riscos de resgate. Uma corrente invisível de orações começou a se formar por aqueles que crêem, pertencentes a inúmeros caminhos, religiões e filosofias buscando a formação de um enorme vórtice de energia para ajudá-los em sua senda. O mundo espiritualizava-se em busca da solidariedade àqueles 33 homens em risco de vida.
Até que suas vidas passaram a ser organizadas, pelas equipes da superfície, de modo a absorver nutrientes que lhes garantissem a sobrevivência prolongada, naquelas condições, exercícios físicos e psíquicos, horários para dormir e períodos de instruções e de assistência psicológica para a sobrevivência em condições satisfatórias, enquanto as providências de resgate fossem acionadas. Uma divisão natural de tarefas e de responsabilidades foi feita, com a existência de uma coordenação, além de encarregados de enfermaria, direção espiritual e animação de grupo.
E, por último, além da disciplina ao programa traçado, tiveram que conviver com a busca permanente de fazer frear ansiedades e alcançar o domínio de si mesmo, até que lhe chegasse a vez de fazer o ultimo sacrifício, de entrar na cápsula, percorrer, por infindáveis quinze minutos, o trecho até serem içados até a superfície.
Foi à vitória da solidariedade, da esperança, da convergência de interesses, da submissão de suas vontades pessoais à vontade de outros seres humanos, além da haver uma ode à vida, à fé, a esperança, à bondade e o amor humano. Dessa experiência se retira a natural obediência do ser humano à ordem natural das coisas, à valorização da vida, à unicidade de propósitos materiais e transcendentes.
Cada mineiro resgatado ganhou o aplauso, o carinho dos familiares e de autoridades presentes, assim como revalidou uma revisão completa de seus propósitos de vida, a reverência e a fé em algo superior e a certeza de que na vida sempre há algo a ser desvendado, algo a ser ratificado, algo a ser transformado pelas mutações existenciais.
Há sempre um fio que nos une, em nossa condição humana, que, pelo menos neste episódio, uniu, pelo olhar, cada homem presente em San José à humanidade. Em tempos de paz, ainda nos resta uma esperança de superar diferenças, trabalharmos pelo bem comum e nos tratarmos como moradores desta verdadeira aldeia global.

Hoje esses 33 homens são considerados verdadeiros heróis. Amanhã, a memória humana poderá ficar enfraquecida pela poeira do tempo. A rotina poderá levar, novamente, esses heróis ao anonimato, e, talvez pelas circunstâncias da vida, pela falta de opção financeira voltem ao fundo de buracos como esse, de onde saíram para dar continuidade a suas vidas. Não receberão mais abraços de Presidentes e Ministros, mas apenas de seus familiares, que os receberão cada vez que subirem à superfície.
E, talvez, ainda, por contingências da vida, novos heróis venham a desfilar por nossos aparelhos de televisão, sob a chancela do Big Brother Brasil. Mas nós saberemos, pela fragrância das diferenças, identificar quem são os heróis verdadeiros.
Pois teremos a certeza de que, pelos verdadeiros heróis, não criados pela mídia, o mundo convergiu seus olhares, comemorou a paz, a fraternidade e união substancial em nome de uma humanidade que caminha a passos largos para um novo ciclo evolutivo, calcado no verbo, na fé e na esperança de validar a unidade nas diferentes formas de ser e de agir.







sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cansaço

Neste domingo o Brasil vai às urnas. É a grande festa democrática, onde pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, em plena saúde ou em condições especiais, vão ter o mesmo direito pleno de escolher seus governantes. E, em conseqüência, a definição dos destinos deste País, durante os próximos mandatos.

Mas confesso que estou cansado para escolher meus candidatos. Estou cansado pela falta de verdadeiras ideologias, pela falta de fidelidade partidária, de compromissos político-partidários destituídos de Programas de Governo bem elaborados, consistentes e coerentes, de plataformas coerentes que dêem credibilidade aos compromissos assumidos.

Estou cansado de candidatos oportunistas, cansado de ouvir seus discursos vazios, de direita se alvorotando a fazer inflamados discursos de esquerda e de esquerda se alvorotando, com o peito cheio de soberba, a fazer discursos visionários, que nada tem a ver com a democracia, nem mesmo são compatíveis com a realidade onde se inserem.

Estou cansado de falsas promessas, pois Deputado não executa obras, não faz a gestão dos recursos do Executivo, não operacionaliza leis, não tem poder de polícia, não administra escolas, nem hospitais, nem comanda a construção de estradas ou pontes, terminais de transportes, nem metrô, nem quaisquer outros equipamentos urbanos.

Deputado não faz nada disso. Deputado elabora leis. Ponto. O resto é demagogia.

Estou cansado de ver desfilar, por meu aparelho de televisão, candidatos que ostentam apelidos picarescos, que denigrem a dignidade do momento solene pré-eleitoral. E o que mais me desanima é ver candidatos semi-analfabetos, liderarem pesquisas, ex-jogadores de futebol, sem quaisquer vivências com as letras, contarem apenas com sua popularidade, para atingir os eleitores mais incautos, líderes religiosos deixarem de tratar de sua religiosidade para buscarem o ingresso na grande arena política que marca o jogo de interesses.

E, ainda, de candidatos enxergarem uma boquinha para se escorar, num cargo político, que, além da compensação financeira, é acompanhada por vantagens adicionais raramente oferecidas pelo mercado formal de trabalho, tais como verbas de representação, recursos para formação de staff, subsídios ao exercício de suas funções, férias prolongadas, direitos trabalhistas estendidos, aposentadoria especial e tantos outros favorecimentos, isso sem falar do prestígio que seu nome passa a desfrutar como " legítimo representante do povo, sufragado pelo voto popular e a possibilidade de virar mito.

Estou cansado de candidatos à Presidência, com complexos de inferioridade, apontar os defeitos alheios para diminuí-los frente à opinião pública, para, assim, mostrarem-se mais capazes de gerir os destinos deste País. Estou cansado de ver candidatos que fizeram parte de governos condenarem a administração a qual participaram como integrantes. Estou cansado de velhos caudilhos abandonarem partidos políticos e se esquecerem da visão político-ideológica, que os alimentou durante o tempo em que estiveram em suas fileiras. Estou cansado de candidatos que precisam se escorar na popularidade alheia para legitimar o seu carisma, sem o qual, talvez, tal condição não seja reconhecida.

Estou cansado de assistir debates mornos para evitar-se o confronto e a mácula a suas bem traçadas diretrizes de marketing político. Como dizia meu avô: “Lobo não come lobo”.

Tudo fica na mesma panacéia. Por isso estou cansado. Estou cansado de ver candidatos ignorarem os feitos heróicos de nossos antepassados que lutaram pela independência e glória de nosso povo, derramando seus sangues para que nós um dia pudéssemos desfrutar o direito de exercer, pelo voto, a nossa cidadania e a nossa soberania.

Estou cansado de alianças de interesses, conchavos e acordos, onde os principais cargos já estão rateados, antes mesmo de a eleição ser realizada, visando garantir que ninguém perca a sua fatia de poder e ascensão ao comando do Estado brasileiro. Estou cansado de não ver a verdadeira democracia vigir neste País. De tributar-se a mesma relevância aos bastidores quanto nos palcos da democracia. Da inexistência de verdadeiros e autênticos líderes nacionais, verdadeiros estadistas, capazes de se esquecerem de seus interesses e renunciarem a suas ambições para simplesmente servirem à vontade de um povo a que representam e à qual prestam juramento, no momento em que são empossados.

E, na mesma linha, de mandatários dos Executivos e dos legislativos estaduais afinados com as causas do povo que representam. Que deixem de polir seus egos, deixem de buscar ascensão ao poder político e econômico, para simplesmente tornarem-se verdadeiros servidores públicos, como o próprio nome já sugere. Que deixem de legislar em causa própria, obter benesses pessoais, fazer concessões e ou cooptarem em nome de sua condição mandatária.

Tenho que vencer essa preguiça e fazer minhas escolhas. Mas também não quero optar por ser guiado pelas grandes correntes que apregoam o voto útil, para não me sentir marginalizado do meio em que vivo. Nem mesmo de, como eleitor, identificar as vantagens que terei ao eleger esse ou aquele candidato, segundo meus próprios interesses pessoais.

Quero votar no menos marqueteiro e no mais sério e compromissado com as mudanças deste País. Quero crer em candidatos que ainda não atingiram a popularidade nas urnas mas que sejam mais coerentes com suas plataformas políticas, destituídos da malícia e do jogo de cintura e mais afetos às ideologias que abraçaram.

Não me importa que me chamem de velho gagá, desfocado da realidade, ou mesmo de ser esquisito porque escolho o diferente, o novo, o ainda não corrompido pelos jogos de interesse. Pois creio que assim estarei defendendo verdadeiras mudanças para esse Brasil varonil que tanto precisamos. Quero dizer um basta a este status quo existente, que ainda não discutiu as reformas política, tributária e estrutural que tanto precisamos, por estar afeto aos interesses dos que desejam conservar o status quo vigente.

E depois de votar no menos aquinhoado pelas urnas, quero assistir ao filme “Invictus” para inspirar-me na interpretação impecável de Morgan Freeman na pele do lendário Nelson Mandela, que passou pelos calabouços, de governos segregacionistas, em seu processo de aprendizado de como ser um verdadeiro estadista, e mais tarde dirigiu a sua África do Sul, nos anos 1994 e subseqüentes, renunciando às aspirações pessoais e nutrindo o amor a seu povo, que o reconheceu e o amou, por se inspirar nos princípios da verdadeira democracia, aquela que acabou com a diferença entre brancos e negros, pobres e ricos, ensejada por mais de 40 anos, como uma verdadeira afronta aos direitos universais do homem.

Não podemos mais aplicar um modelo eleitoral, ratificado no século XX para vigorar em pleno século XXI. E, enquanto não acordarmos para essa realidade, estarei apenas vencendo o cansaço, vencendo a mesmice e sonhando com um novo amanhã, uma nova forma de elegermos nossos governantes, a ser concebida pelo povo e para o povo, sem máscaras, sem marketing, sem dominação das massas, mas respaldada por ações efetivas, diretamente compromissadas com as reformas sociais tão necessárias à sociedade brasileira. Aí sim deixarei, se ainda estiver nesta forma de existência, o tédio e o cansaço para ativamente abraçar o verdadeiro sentido para onde deve caminhar a verdadeira cidadania.