quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

As duas faces da morte

Reservamos um dia especial para pensar na morte: o dia 2 de novembro, uma das datas mais significativas para a humanidade, que pode passar, para muitos, quase desapercebida. Ou melhor, pode ser vista como mais um feriado, um dia para se deixar de lado o trabalho, as obrigações e dedicá-lo ao lazer ou ao ócio. Para esses, pensar na morte constitui uma tarefa a ser postergada, como se a possibilidade de lhes darmos as costas signifique adiá-la ou mesmo evitar que venha bater em nossa porta.

Cultuar o corpo, dar-lhe estética ou musculosidade, promover-lhe plástica e ocultar-lhes suas imperfeições ou, mesmo, privilegiar sua beleza, como ilusórias formas de alcançar longevidade, constituem marcas de uma sociedade que valoriza o consumo e evidencia a forma em lugar do conteúdo. Esse mesmo pragmatismo pode causar o ledo engano de que, pela graça, fica assegurada a mesma prerrogativa de alcançar a eternidade.

A vida é curta e circunstancial. A morte é inexorável e, também, inconveniente, já que bate à nossa porta sem que estejamos prontos para recebê-la. Por isso, é necessário que façamos uma reflexão sobre o seu significado. Afinal, morremos como vivemos e aquilo que dá sentido à morte também dá sentido à vida.

Ao cogitarmos o fim de uma etapa, para levarmos em consideração o início de outra, há que se preconizar não o princípio da graça, mas o princípio de justiça, já que, ao partirmos, deixamos tudo a que nos apegamos, somente levando aquilo que se constitui vida interior. E essa, por sua vez, se fundamenta pelo princípio do amor.

Pois, afinal, nossas emoções se desvanecem, em relação aos que se foram, somente ficando, como marca indelével, o amor que alimentávamos aos que nos foram caros. Ele é, sem dúvidas, a grande força motriz, que nos conduz e valida a nossa existência.

Vemos a morte como a grande apoteose, que chega um dia para por fim a todas as possibilidades de sonhos que alimentamos. Porém, nos esquecemos que morremos a cada anoitecer e tornamos a nos encontrar nesta vida em cada amanhecer. O passado já não existe mais. O futuro ainda é uma ideação.

Podemos dizer que vivemos somente neste momento presente, o agora, que nos dá a condição de enxergarmos para além de nossos sentidos para identificarmos a própria manifestação da eternidade, imiscuída com as formas subjetivas de encararmos esta existência.

Uma breve reflexão, que possamos fazer nesse dia, poderá resultar na certeza de que as flores que jogarmos sobre os túmulos de nossos antepassados e de nossos amigos, conserva o mesmo simbolismo que reservamos à vida, em toda a sua magnitude e dignidade, ao acreditarmos que ela não se restringe tão somente à matéria, mas é essencialmente resultado e extensão de uma dimensão cósmica e transcendente. Há que espiritualizá-la.

Mais do que uma soturna experiência, esse dia serve para mostrar a ambigüidade da existência e a responsabilidade de assumirmos nossa vida, pois o que temos para realizar deve começar já, neste momento de existir, o único ao qual podemos usar nosso arbítrio. Só assim evitamos sermos surpreendidos quando baterem à nossa porta, quando esgota-se o tempo para descobrir que vida e morte fazem parte de um mesmo contexto, chamado evolução existencial.

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