quarta-feira, 4 de março de 2009

ESCOLA & COMPANHIA

O Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibemec) de São Paulo derrubou, segundo notícias divulgadas através do jornal A Gazeta, de Vitória, edição do dia 1º de março do corrente ano, a teoria de que a falta de qualidade na Educação está relacionada à carência de investimentos. Naércio Menezes Filho, responsável pela pesquisa, comparou os dispêndios por aluno com o desempenho escolar de educandos de quarta a oitava séries do ensino fundamental. E concluiu que um maior volume de investimentos municipais em educação não representou a elevação do desempenho escolar, que se manteve praticamente dentro do mesmo patamar apresentado por municípios que pouco investiram no setor, durante o período considerado. Esse quadro é evidenciado em quase todo o território nacional. Por isso, o responsável pela pesquisa defende a idéia de que, para melhorar o ensino, é preciso gerenciar melhor os recursos e remunerar o professor de forma diferenciada.

Com efeito, ao contrário do que se supõe, a questão não passa por nivelar por baixo a distribuição de recursos, mas, sim, aumentar os investimentos e amarrá-los às políticas educacionais melhor elaboradas. Não basta tão somente investir em melhoria das instalações e equipamentos, mas gerar efeitos multiplicadores na condição humana de educadores e educandos. Em relação aos primeiros, através da melhoria das condições de trabalho, a capacitação continuada e a melhoria salarial de docentes. No tocante à segunda, a motivação de alunos e o maior envolvimento de segmentos da sociedade civil e seus representantes legais.

Nesse sentido, há que se registrar a iniciativa do Senador Cristovam Buarque, que é autor de um Projeto de Lei, de número 480, de 16 de agosto de 2007, que determina a obrigatoriedade, até o ano de 2014, de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas. Ao final de 2008, a proposta encontrava-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para sua apreciação. De acordo com esse projeto, se aprovado, todo o político eleito (vereador, prefeito, deputado, etc) estará obrigado a colocar seus filhos na escola pública. Com isso, espera seu autor provocar maior envolvimento de políticos com a qualidade do ensino nas escolas públicas. O projeto é polemico, mas coloca na mesa algumas questões capazes de fomentar o debate sobre a questão.

Para justificar o seu Projeto, o Senador Cristovam Buarque afirma que, “no Brasil, os filhos dos dirigentes políticos estudam a educação básica em escolas privadas. Isto mostra, em primeiro lugar, a má qualidade da escola pública brasileira, e, em segundo lugar, o descaso dos dirigentes para com o ensino público”.

E continua: ”Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo, do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras
exceções, estudando em escolas privadas. Esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente que, ao invés de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios. Além de deixarem as escolas públicas abandonadas, ao se ampararem nas escolas privadas, as autoridades brasileiras criaram a possibilidade de se beneficiarem de descontos no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada de seus filhos. Pode-se estimar que os 64.810 ocupantes de cargos eleitorais - vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e seus suplentes, governadores e vice-governadores, Presidente e Vice-Presidente da República - deduzam um valor total de mais de 150 milhões de reais nas suas respectivas declarações de imposto de renda, com o fim de financiar a escola privada de seus filhos alcançando a dedução de R$ 2.373,84 inclusive no exterior”.

Justifica: “Considerando apenas um dependente por ocupante de cargo
eleitoral, o presente Projeto de Lei permitirá que se alcance, entre outros, os
seguintes objetivos: a) ético: comprometerá o representante do povo com a escola que atende ao povo; b) político: certamente provocará um maior interesse das autoridades para com a educação pública com a conseqüente melhoria da qualidade dessas escolas. c) financeiro: evitará a “evasão legal” de mais de 12 milhões de reais por mês, o que aumentaria a disponibilidade de recursos fiscais à disposição do•setor pública, inclusive para a educação; d) estratégica: os governantes sentirão diretamente a urgência de, em sete anos, desenvolver a qualidade da educação pública no Brasil”.

E conclui: “Se esta proposta tivesse sido adotada no momento da Proclamação da República, como um gesto republicano, a realidade social brasileira seria
hoje completamente diferente. Entretanto, a tradição de 118 anos de uma
República que separa as massas e a elite, uma sem direitos e a outra com
privilégios, não permite a implementação imediata desta decisão. Ficou
escolhido por isto o ano de 2014, quando a República estará completando 125
anos de sua proclamação. É um prazo muito longo desde 1889, mas suficiente
para que as escolas públicas brasileiras tenham a qualidade que a elite
dirigente exige para a escola de seus filhos. Seria injustificado, depois de tanto tempo, que o Brasil ainda tivesse duas educações - uma para os filhos de seus dirigentes e outra para os filhos do povo, como nos mais antigos sistemas monárquicos, onde a educação era reservada para os nobres”.

O projeto de lei, apresentado pelo Senador Cristovam, reforça o debate sobre o papel do ensino nas relações entre o Estado e Sociedade Civil, identificáveis através de suas evidências: investimentos em ensino público, não compatíveis com a qualidade da educação, a falta de um projeto político capaz de lhes dar identidade, o relativo envolvimento da classe política com o que acontece dentro das salas de aula.

É preciso um maior envolvimento da Sociedade Civil na formulação de um novo projeto escolar, uma vez que, hoje, a caminhada para o autoconhecimento de cada educando está fadada a desvios, em função das atuais características que assume a sociedade atual, que tem incentivado a competição, a beleza exterior, a mistificação da hiperespecialização, mas, principalmente, a violência, dentro de um paradigma baseado em “no limits”, assumida por padrões de “uma sociedade onde tudo pode”. Sem ritos, sem mitos, a sociedade perde suas tradições, vive sem heróis, referências e modelos e, por isso mesmo, procura saídas para a ausência de rumos.

Ao ser levada para dentro da escola, a discussão passa por uma revisão ética, capaz de nortear relações sociais que se baseiam na heterogeneidade, no incentivo à geração de ritmos, ciclos, hábitos e rotinas que respaldam a práxis de educandos e, por último, no princípio da coerência das ações, empreendidas por todos aqueles que convivem em ambientes escolares. Deve-se transformar a relação professor x aluno em professor e aluno, para permitir que a construção do saber passe a ser resultado de processos sinérgicos, onde cada ser humano sinta-se agente de seu processo de aprendizado.

A eventual remuneração escalonada, como quer o professor Naércio Menezes Filho, poderá incentivar professores, hoje comprometidos apenas em “conservar o adquirido”, a assumirem uma nova práxis, tornando-os mediadores das culturas que a escola reproduz, dentro de posturas de cooperação e inovação.

A prática do ensino deve estar voltada à formação de cidadãos críticos, deixando a Escola de assumir tão somente um papel de proteger, sob seus domínios, educandos e educadores, dos turbulentos ambientes onde se insere, para, enfim, levá-los a usar a imaginação, fonte de todas as felicidades humanas, estimulando-os a exercitar as suas capacidades de decisão, de modo a conduzi-los à felicidade que buscam.


A motivação e o auto-desenvolvimento estão na razão direta de como os alunos se trabalham, exercitam a criatividade, estabelecem, no processo, a muldisciplinaridade de conteúdos e o incremento de modalidades continuadas e os levam ao encontro de si mesmos, conscientes e conseqüentes com os valores evolutivos que marcam as suas existências. Parece óbvio? Nem tanto...

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