sábado, 25 de abril de 2009

As Lideranças Mundiais e suas organizações

"As Novas Lideranças Mundiais pós-reunião do G-20" (o papel do presidente Lula neste novo contexto - a união Brasil-EEUU e suas conseqüências para a AL, o OM e a África...)”. Essa foi a pauta que recebi de um dileto amigo, pedindo-me para discorrer sobre esse assunto. Muito embora não seja um especialista nesse temário, nem tenha livre trânsito pela política internacional, gostaria de formular a minha particular opinião acerca da solicitação encaminhada.

É sempre bom conservar certo distanciamento entre as primeiras reações que ocorreram, concomitantemente à reunião da cúpula do G-20, em Londres, no dia 2 de abril do corrente ano, e seus resultados mais duradouros. Certamente a mídia mundial acompanhou de perto a simples presença de inúmeras personalidades ao Encontro, que desfrutam de repercussão em nível mundial e que fizeram o seu show à parte. E todos já sabem que a grande figura estelar foi mesmo o presidente Barack Obama, procurando validar o seu carisma após recente disputa acirrada que o levou à Casa Branca. Foi nesse mesmo encontro, classificado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, como sendo de “avanços significativos” que o presidente Barack Obama teceu elogios ao presidente Lula.

Foi um momento registrado pela BBC em que ambos se cumprimentaram, um pouco antes do início da reunião do G20, em uma sala de conferência do Excel Center. Obama troca um aperto de mãos com o presidente brasileiro, olha para o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, e diz, apontando para Lula: “Esse é o cara! Eu adoro esse cara!”. Em seguida, enquanto Lula cumprimenta Rudd, Obama diz, novamente para Lula: “Esse é o político mais popular da Terra”. Rudd aproveita a deixa e diz: “O mais popular político de longo mandato”. “É porque ele é boa pinta”, acrescenta Obama. Isso tudo aconteceu após o primeiro encontro entre ambos, ocorrido há apenas três semanas.

Após essa passagem, o presidente Lula circulou com desembaraço entre os dezenove mandatários presentes. E, para culminar esse momento de notoriedade, Lula ainda aparece na foto oficial sentado ao lado da rainha Elizabeth II. Esses episódios foram suficientes para que muitos interlocutores começassem a se perguntar se o reconhecimento do carisma de Lula, junto a outros estadistas, não seria o prenúncio de que os principais mandatários de países desenvolvidos já estariam passando a ver mais respeitosamente o presidente de um País considerado até agora emergente? Na mesma linha, se já não seria uma forma de reconhecer a melhoria do Brasil no ranking mundial? E se já não teria chegado a hora de o País estar sendo dividido, em sua imagem internacional, em “antes e depois do presidente Lula”?

Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa, como já dizia a sabedoria popular. Nem tanto céu, nem tanta terra. A última reunião do G-20 foi considerada histórica, pela presença de novos e populares líderes de nações que certamente exercem influências na trajetória de nossa aldeia global. Mas frente a essa notoriedade, é o próprio presidente Lula quem relativiza a importância atribuída aos elogiosos tratamentos a sua pessoa. Luiz Inácio Lula da Silva disse que as palavras de Obama só podiam ser interpretadas como uma gentileza ou uma brincadeira e não um reconhecimento de sua importância histórica para o Brasil e para o mundo e, ao final, ainda completou: “tenho consciência do meu tamanho e não consigo entender de outra forma”. Quanto a sua posição na foto, Lula se encontra em final do segundo mandato e é, portanto, o membro mais antigo entre os mandatários presentes.

Resta, pois, deixar os holofotes, os microfones e as câmeras ligadas aos acontecimentos festivos para examinar assuntos da pauta tratada durante o Encontro. A principal preocupação dos mandatários presentes seria a adoção de medidas eficazes e integradas para conter a recessão mundial, restabelecer o crescimento econômico, assegurar a reversão do desemprego e manter o poder de compra dos salários. As deliberações ficaram tão somente na autorização de injetar US$ 1,1 trilhão de dólares para reanimar a economia mundial e auxiliar os mais atingidos pela crise. Como medidas complementares a maior fiscalização sobre as zonas mais obscuras do mercado financeiro e o maior controle sobre os chamados paraísos fiscais.
Esse pacote reveste-se em elemento aglutinador de uma série de providências, levadas a efeito ou anunciadas, que envolvem centenas de bilhões de dólares, de origem de Tesouros ou de Bancos Centrais, para intervenções em instituições financeiras, compras e fusões, resgate de dívidas e proteção aos clientes, sem que tudo isso tenha acalmado os ânimos ou levado estabilidade ao mercado.

Talvez, apesar da ruidosa reunião do G20, marcada pelo brilho estelar de seus participantes, permaneça subjacente a eventual falta de confiança ou reconhecimento dos atuais mandatários em se converterem líderes mundiais para conduzir a economia com segurança e estabilidade até o remanso esperado. Afinal, não se deve confundir carisma e popularidade com liderança e capacidade de articulação de diferentes interesses envolvidos.

E, talvez, ainda, o que se queira discutir é a relação entre política e economia, onde o capitalismo deva passar por profundas alterações, cujo principal articulador, até agora, tem sido os Estados Unidos, assim como revisar-se um processo de desenvolvimento calcado na desregulamentação ampla dos mercados e a formulação de políticas econômicas restritivas, como sempre quis o próprio Fundo Monetário Internacional e o recíproco aparelho do Banco Mundial.

O que se coloca é a maior participação do Estado na regulamentação de mercado, procurando esse fazer resguardar as questões de interesse público e relativizar os interesses privados e, principalmente, maior controle sobre as especulações que operam hoje sem lastro e com o aval de instituições bancárias.
Por certo que tanto Estados Unidos quanto Inglaterra não poderão mais continuar a exercer o mesmo papel preponderante, no sistema capitalista, o que já acena, como reflexo, o surgimento do protecionismo de caráter nacionalista, utilizado na em larga escala na grande depressão norte-americana e que trouxe nefastos resultados.

As novas lideranças mundiais recebem a missão de coordenarem essa verdadeira reorganização do capitalismo financeiro, mas desta vez não totalmente desregulamentado e obscuro, e, sim, refratário e tutelado, a fim de garantir que os sistemas financeiros mundiais estejam mais voltados aos setores produtivos e menos ao especulativo, como deseja o presidente Lula.

A crise será vencida, o capitalismo achará novos caminhos e continuará a estimular os avanços tecnológicos, a geração de novas riquezas e a prosperidade para uma parcela considerável da população mundial. Mas não conseguirá, por si só, evitar que surjam novas atitudes humanas ligadas à ganância e o egoísmo que segregam e discriminam. Por isso precisará de gestores públicos que venham disciplinar questões sociais que ainda não entraram em pauta, como a revisão do modelo de consumo vigente que traz resultados negativos ao ecossistema terrestre. Nem mesmo deixar de dar conta de questões sociais de fundo, como o combate efetivo à fome e à desnutrição, que atinge cerca de um terço da população mundial, o desequilíbrio ambiental, a discriminação racial e o preconceito religioso, a carência de bons serviços de saúde e de educação, em grande parte de nossa aldeia global, notadamente a educação profissional para atender trabalhadores de países emergentes e pobres, capacitando-os a trabalhar em ambientes que utilizam tecnologias mais avançadas.

A recente reunião do G20 pode não ter avançado em alguns aspectos cruciais. Mas serviu para colocar à prova alguns mandatários que estão chegando agora no cenário político. Apesar de atribuir-se a Barack Obama uma verdadeira missão messiânica, de aplacar ânimos, resolver divergências, promover a expansão econômica, combater o protecionismo, vencer barreiras culturais, conter o radicalismo, enfrentar a especulação e o ortodoxismo, suplantar o racismo, evitar a corrida belicista, o novo presidente norte-americano já começa a mostrar a que veio.

Apesar de inexperiente na política, quando em campanha soube ir à Europa como estadista, antes mesmo de promover a sua plataforma em seu País, além de conseguir arrebatar a simpatia das chamadas minorias e dos imigrantes, em território norte-americano, divulgando ao mundo o seu idealismo e o seu desejo de articular mudanças. Depois de eleito iniciou a sua cruzada contra os antagonistas da política norte-americana, utilizando a palavra cooperação como principal substantivo de seu discurso. Pacifista por convicção, conhecedor dos valores ético-religiosos, propugna um mundo melhor e relações mais cordiais entre povos e nações. Só o tempo dirá se a sua habilidade diplomática, o seu espírito de cooperação e a sua disposição em trabalhar por uma economia mais humana se tornará uma inexorável realidade.

Às vésperas de apagar as luzes e fechar a porta, o Presidente Lula trouxe da reunião do G20 o seu dever de casa: testar o seu modelo econômico frente aos efeitos da crise mundial, pela qual demonstra confiança e determinação em debelá-la, embora, na prática, a teoria seja diferente, já que nenhum guru da economia conseguiu ainda fazer diagnósticos convincentes. A tão propalada impermeabilidade, anunciada ao início da crise, a partir de uma reserva de 200 bilhões de dólares, contra trilhões de dólares envolvidos em terreno minado, poderão, certamente, levá-lo a medidas declaradamente desmanteladoras de alianças políticas existentes. Dentre essas o enxugamento das contas públicas, o freio na produção, a ampliação das demissões, a retração nos investimentos, os reflexos em setores ligados às exportações, e, sobretudo, as seqüelas que trarão em sua condição política, tais como a queda de avaliação positiva de governo, embora sua aprovação continue alta, mas com risco de aumentar a sua impopularidade à medida que diminua o desempenho da economia.

Por certo que, ao desmanchar as malas de sua viagem à reunião do G20, Lula trouxe na bagagem um dilema: tanto a sua popularidade no País, quanto a sua notoriedade, alcançada durante aquele Encontro, estarão, agora, na dependência de saber se o barco construído por seu modelo econômico impermeável agüentará firme as tempestades e se saberá congregar os papeis de estadista, político e ocupante do mais elevado cargo da República. Afinal, quem viver verá.

Nossos mandatários estão hoje envoltos em intricados jogos de ter e ser, permeados por interesses múltiplos, carregando paixões, sonhos e esperanças por dias melhores, com seus erros e acertos, seja por ambições pessoais ou por desejos de servir. O fato é que devemos distinguir aquilo que gostaríamos que eles fizessem, para satisfazer nossos desejos, daquilo que realmente deva ser feito. Talvez o segredo esteja não em aumentar a visão de suas possibilidades e potencialidades, mas, sim, diminuirmos a lente através da qual os observamos, enquanto líderes mundiais. A solução não está neles, mas em nós, pois eles serão, no futuro, a medida de nossa própria evolução em prol da construção de uma aldeia global unitiva ou fracionada segundo nosso grau evolutivo de consciência.

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