quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mahatma, o Líder

"O mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para a qual nos movemos.” (Oliver W. Holmes)

De um lado, uma nação imperialista, o seu poder econômico, a sua avançada tecnologia, apoiada por um dos mais bem preparados exércitos da época, de outro, apenas um franzino homem, que tinha um caminhar arqueado, não possuía pertences pessoais e cobria o seu frágil corpo apenas com lençóis brancos, que ele mesmo confeccionava. Sua melhor arma era ele mesmo. Suas ações eram coerentes. Convencia por se converter, ele mesmo, em exemplo do que pregava, utilizando os princípios da não-violência, do perdão e da fidelidade à verdade. Porém conservando uma fé inabalável no rumo que traçara: ver o seu País liberto de seus invasores. Esse pequeno David ganhou o confronto com o gigante Golias sem disparar um tiro sequer, mudando o rumo da trajetória humana neste Planeta.

Assim viveu Mohandas Karamchand Gandhi, um dos mais completos líderes egoentes que este mundo já conheceu. Foi místico e político, político e místico, harmonizando, em si, matéria e espírito, espírito e matéria. Foi não só libertador da Índia, mas também um dos maiores líderes espirituais de seu tempo. Graças à sua trajetória a humanidade passou por uma nova evolução cultural. Gandhi é a prova inconteste de que o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma utopia realizável. Suas conquistas se convertem em fonte de inspiração para resolvermos os principais desafios de ordem ético-espiritual e política, que assolam nossa aldeia global.

À Política, Gandhi emprestou sua mística, baseada no princípio da existência cósmica, de que todas as coisas, incluindo o homem, como criatura, podem viver em harmonia e equilíbrio. À mística, Gandhi emprestou a sua política, de que, por mais que queira purificar-se e passar a viver uma vida consagrada à essência divina, o ser humano não o conseguirá completamente se não souber viver em relação, isso é: chegar a Deus através de seus semelhantes.

Esse notável homem nasceu em 1869, quando a Grã-Bretanha exercia o seu poder imperialista na Índia. De personalidade explosiva, buscou, de início, igualar-se a seus dominadores, vestindo-se como um britânico, estudando como um, agindo como um, buscando privilégios em lugares onde só havia subserviência imposta e perda total das garantias individuais. Mas logo se apercebeu que o rumo que dera a sua vida não se coadunava com suas origens. E que, para chegar a mandar para casa seus oponentes e, assim, libertar cerca de 450 milhões de seres humanos da opressão, deveria primeiro libertar a si mesmo, renunciando aos valores humanos transitórios e apoiando-se tão somente em sua mística. Com sua forma de viver e de pensar conseguiu levar a Inglaterra a perder cerca de três quartos de seu império.

Com efeito, Gandhi poderia ter amealhado uma fortuna, ter comprado palácios, ter tido o poder de comandar a nação que ajudara a constituir, marcada por diferenças culturais, religiosas e raciais. Em lugar disso viveu na renúncia, contando somente com o básico para sua subsistência. Não acumulou títulos, nem distinção acadêmica, nem quaisquer notoriedades científicas, mas foi, por isso mesmo, reverenciado e admirado por centenas de milhões de pessoas, em todo o mundo. Nem mesmo a cabra que lhe propiciava as proteínas que seu corpo necessitava lhe pertencia, sendo ela recolhida por seu dono, logo após a sua morte.


Assassinado por um fanático, em 30 de janeiro de 1948, recebeu homenagens de todos os governos, com exceção do soviético, além dos principais líderes religiosos mundiais. Dentre os mandatários que reconheceram a grandeza de seu ser, o presidente Truman, o rei da Inglaterra, o presidente da França, o arcebispo de Canterbury, o papa Pio XII, o rabino-chefe de Londres, o Dalai Lama do Tibet, além de cerca de três mil outras personalidades estrangeiras. As Nações Unidas abaixaram a sua bandeira a meio pau e seu Conselho de Segurança interrompeu as suas deliberações, para render suas homenagens a Gandhi, oportunidade em inúmeros delegados, entre eles o britânico Noel-Baker, enalteceram essa verdadeira expressão de humanidade.

Por certo as gerações mais novas devem ter pouca ou nenhuma referência sobre esse pequeno grande homem. De lá para cá, surgiram inúmeros políticos que se apresentaram como líderes mundiais, valendo-se de seus egos para afirmarem as suas condições de homens públicos, calcando suas ações na crença de que são capazes de realizar coisas a partir de suas inteligências, de suas astúcias, suas sapiências, suas eloqüências ao falar, suas habilidades diplomáticas, suas capacidades de acumular riquezas ou influenciar pessoas.

São capazes de enfrentar uma arena política valendo-se de suas forças realizadoras, mas estando no jogo negociado de concessões e favores, alianças e interesses de alter egos envolvidos. Isso não se aplica a Gandhi, pois ele permaneceu na arena política conhecendo as características de seus adversários, assegurando livre transito entre eles, mas nunca se deixando corromper por benesses que certamente lhe seriam acenados, caso viesse a sucumbir a seu credo e a sua determinação de alcançar a sua meta máxima.

O grande Mahatma, designação que recebeu de seus conterrâneos e significa grande alma, era advogado formado pela Universidade de Londres, hábil orador, tendo participado, com sua dialética, de debates sobre temas nacionais e internacionais, em palácios, cortes da Europa, assim como em instituições públicas e privadas sempre com a intenção de combater o imperialismo e enfrentar seus antagonistas somente com a força do argumento e a habilidades de sua alma.

Mas, para isso, antes, ele conheceu a vida interior, o mundo de Deus, descobrindo o significado do verbo, fazendo a síntese entre a espiritualidade e materialidade, alcançando a visão cósmica ou o seu Eu divino, para, enfim, fazer a sua vida interior expandir até o coração dos homens, tendo, como meio, uma ética incorruptível e uma obediência aos valores transcendentes para reconhecer e evidenciar a igualdade e a liberdade entre os homens e a conclamá-los a tratar seus semelhantes com um verdadeiro espírito de fraternidade.

Sob essa trilogia há que se perguntar qual a relação entre minha vida ou a sua vida e a passagem de Gandhi por este Planeta? O que regula o comportamento humano é uma condição intangível, onde todos são levados a travar uma luta interior entre o que somos e o que gostaríamos de ser. Há uma frase, da qual não consigo identificar a autoria, que diz: “Em 10 de abril de 1970, Paul Mac Cartney anuncia que não pretende mais tocar com seus companheiros. É o fim dos Beatles. O paradoxo é uma característica do ser humano. O que aconteceu com os Beatles acontece com cada um de nós. Infelizmente, uma parte de nosso eu quebra o estado de felicidade, rompe com o equilíbrio, e por não suportar a coisa boa, traz para cada um de nós uma cota de infelicidade, como se essa infelicidade viesse a restaurar a culpa e reparar o dano. É por isso que os laços se partem, os afetos se desfazem e o sonho acaba”.

Contraditório em si, o homem também se motiva por alcançar valores transcendentes. O Grande Mahatma é uma fonte de inspiração para todos nós, pois ele toca diretamente o coração dos seres humanos por seus ensinamentos espirituais, baseado na condição de que a verdade não é introjetada no coração humano e sim nasce de dentro para fora. Há uma frase de Frederic Skinner, autor do livro “Ciência e Comportamento Humano” que diz: “ As principais disputas entre as nações, quer nas assembléias pacíficas, quer nos campos de batalha, estão inteiramente ligadas ao problema do controle e da liberdade humana”. Mohandas Karamchand Gandhi contribuiu ativamente para elucidar essas fronteiras.

Sobre isso escreveu Humberto Rohden, professor, escritor e autor do livro “Mahatma Gandhi”: “Quem não se sente plenamente livre deve evitar servir aos outros e deve assumir ares de dominador, porque onde falta a essência têm de prevalecer às aparências. Mas quem traz dentro de si o testemunho da sua liberdade real, esse pode ser servidor de todos, porque a sua firme liberdade não necessita de ser escorada em pseudoliberdades. Quem é sábio pode serenamente admitir aparências de tolo; mas todo o tolo tem de evitar solicitamente essas aparências e assumir ares de sábio, para que a sua pseudo-sapiência não sucumba ao impacto de sua insipiência. O mundo de hoje não compreendeu ainda a verdadeira grandeza de Gandhi, sem dúvida um dos mais lídimos discípulos que o Nazareno teve entre os homens, nesses quase dois milênios de era cristã. Mas o espírito do Mahatma está trabalhando as consciências humanas, qual divino fermento, levedando aos poucos a massa profana e preparando o caminho para a grande alvorada crística”.

Talvez o mundo não consiga reproduzir, em curto prazo, ninguém da estirpe de Gandhi, mas nossos atuais e futuros líderes podem estar conscientes de que, para promoverem algo novo, devem procurar agir de uma nova forma, onde suas ações se moldem nos princípios do altruísmo, nos valores coletivos e na liberdade interior e trabalhem para inspirar seres humanos sob seu comando a reverenciar a liberdade como bem maior do homem e anseio máximo a ser alcançado por toda a humanidade. Sobre isso o Grande Mahatma disse uma vez aos líderes de sua época: “nada se lucra, retribuindo-se o mal com o mal. Conservai limpos os vossos corações e descobrireis que todas as outras comunidades vos seguirão o exemplo”.

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