quinta-feira, 18 de junho de 2009

Diploma para Jornalismo? Agora não mais!

O Supremo Tribunal Federal decidiu, ontem (17 de Junho de 2009), a revogação da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista. Foram 8 votos contra e apenas um a favor da manutenção da matéria, derrubando, assim, um decreto-lei, de 1969, época do regime militar, que estabelecia a obrigatoriedade deste requisito para habilitação profissional. O Presidente do STF, Gilmar Mendes, considerou o jornalismo uma profissão diferenciada, vinculada ao exercício amplo das liberdades de expressão e de informação, cuja exigência profissional fere, segundo ele, a Constituição Federal, que assegura essas liberdades.


Para tanto argumenta: “O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”. Mesmo assim o ministro reconheceu a importância dos cursos superiores, com disciplinas técnicas sobre redação e edição, ética e teoria da comunicação para uma formação profissional sólida para o exercício de jornalismo.

“Essa é uma razão importante para afastar qualquer suposição no sentido de que os cursos de graduação em jornalismo serão desnecessários após a declaração de não-recepção do artigo 4º, inciso V, do decreto-lei nº 972/1969 (que estabelecia a obrigatoriedade do diploma”, afirmou.


Nesse sentido, o Presidente do STF também considerou não ser necessário o diploma, de forma obrigatória, para outras profissões, pois “tais cursos são extremamente importantes para o preparo técnico e ético de profissionais que atuarão no ramo, assim como o são os cursos superiores de comunicação, em geral, de culinária, marketing, desenho industrial, moda, costura, educação física, dentre outros vários, que não são requisitos indispensáveis para o regular exercício das profissões ligadas a essas áreas”, esclareceu.


Concordando com ele, o ministro Carlos Ayres Britto afirma: “nesse campo, nessa matéria, a salvaguarda da sociedade é não restringir nada”. O único ministro a votar a favor da obrigatoriedade do diploma, Marco Aurélio Mello, afirmou que o jornalista tem de ter “técnica para entrevistar, reportar e pesquisar: ”devo presumir que o que normalmente ocorre, não é o excepcional que, tendo o profissional o nível dito superior, estará mais habilitado à prestação de serviços profícuos à sociedade brasileira”, complementou.


De uma forma geral, os ministros se pronunciaram com base no que acreditam ser um excesso de regulamentação das profissões e que muitos profissionais, como Gabriel Garcia Marquez, Nelson Rodrigues ou Machado de Assis exerceram o jornalismo sem necessariamente terem um curso superior. É praticamente unânime, entre os ministros, a assertiva de que essa obrigatoriedade violava a atual Constituição Federal que garante a liberdade de profissão e de imprensa e prevê o direito ao livre trabalho e à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

Há que se salientar que a matéria, votada ontem, não mereceu, antecipadamente, pelo STF, quaisquer aberturas para ouvir, a priori, a parte mais interessada: a sociedade civil, respaldando seus ministros em pareceres que se restringiram aos aspectos legais e às opiniões pessoais daqueles que exerceram o seu voto.


Com isso, deixaram à própria sociedade civil os efeitos de uma matéria que se revela complexa, polêmica e que, certamente, não desaparecerá tão cedo das rodas de discussões. Nessa verdadeira plêiade de opiniões e posições, este autor deseja deixar claro a sua: ser contrário à desregulamentação da obrigatoriedade de existência de diploma para o exercício da profissão de jornalista.

Não por motivos corporativistas, mas porque a decisão do STF vai de encontro à tendência atual de qualidade no trabalho. Se o argumento, apresentado pelos excelentíssimos senhores ministros, de que há excesso de regulamentação de profissões, é considerado válido, podemos pensar em desregulamentar as profissões de professor, por não ser mais necessário assimilar conteúdos didático-pedagógicos, do médico, por não necessitar mais de conhecimentos de anatomia, do advogado, por não precisar mais de fontes de direito, dentre outros, já que todos eles manifestam e fazem a difusão do pensamento e da informação de forma contínua.


O que dá embasamento à profissão de jornalista é justamente a existência de uma ciência, a da Comunicação Social, que embasa e dá provimento à forma como se processa a interação de massa. Este autor ingressou na vida acadêmica universitária no ano seguinte à promulgação do decreto nº 972/1969. E pode afirmar que nunca se formou, nesse País, um profissional de Comunicação, mas de jornalismo, de publicidade, de relações públicas, cuja fundamentação teórico-metodológica esteve sempre amparada pela técnica e nunca pela ciência. A questão não reside em gerar técnicos de comunicação, habilitados para atuar em jornalismo, mas profissionais completos, com uma bagagem holística e pleno domínio das ferramentas para harmonizar-se às necessidades da comunicação de massa.

Mais do que nunca é preciso, de um vez por todas, gerar profissionais que estejam vinculados à formação humanística, capaz de dar sentido amplo à sua própria formação, englobando conhecimentos de filosofia, sociologia, antropologia, semiótica, aliada à visão operacional dos instrumentos utilizados pelos veículos onde atuará, capaz de dar ao profissional uma visão clara das responsabilidades que deverá considerar ao lidar com a opinião e a coisa pública.

Trata-se de dar provimento a tudo o que diz respeito à responsabilidade de lidar com a comunicação de massa, incorporando a preparação teórica e técnica de conhecimentos que estarão subjacentes ao exercício diário do jornalismo, de forma profissional embasada.

É fato que a revogação da obrigatoriedade, prevista no artigo 4º, inciso V, do decreto-lei nº 972/1969, não extinguirá o Curso Superior de Comunicação Social. Mas certamente que o bacharel ingressará no mercado de trabalho concorrendo com profissionais que não sentaram nos bancos da Escola Superior, não despenderam recursos, nem tempo, nem esforço cognitivo para se capacitar a estar melhor qualificado e preparado para o dia a dia jornalístico. E assim poderá existir, nas redações de jornais, uma verdadeira queda no patamar salarial em face da disponibilidade da força de trabalho que ingressa no mercado de trabalho somente contando com a cara e a coragem.

Num mundo do trabalho, que exige especializações acadêmicas, agora em nível de pós-doutorado, banalizando o grau de bacharelado, estamos possibilitando o surgimento de uma força de trabalho que prescinde da vida acadêmica e se apóia no provisionamento para chegar às redações, requerendo proventos mais baixos e superar com pragmatismo aquilo que deixa de aprender nos meios universitários. Bom para os empresários da comunicação, ruim para o corpo funcional que busca competência aliada à sólida formação acadêmica.

Além disso, qualquer desatino poderá ser escudado, por uma eventual situação de provisionamento, pela inexistência de um grau maior de aprofundamento em matérias que lhe serão inerentes ao exercício de sua profissão e por um pragmatismo restrito à vivência de redação. Ou pelo acesso ilimitado às informações disponibilizadas pela internet, sem a devida existência de uma metodologia de pesquisa e ou arcabouço teórico ligado ao objeto de sua atuação.

Não se trata de condenar a tudo o que fora gerado durante o regime militar, que, embora tendo deixado seqüelas traumatizantes à vida nacional, incorporou os anseios da própria sociedade onde se inseria. Se o advento de ares democráticos ensejou a revisão de todos os atos de exceção, não cabe outra coisa senão abrir, de forma verdadeiramente democrática, um fórum de debates acerca do exercício da atividade jornalística, seus atores e sua relação com a ciência que lhe dá embasamento: a Comunicação Social.

É o que comprova a pesquisa de opinião, realizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que revelou, durante o último ano, que 74% dos dois mil entrevistados, em todo o território nacional, disseram ser a favor do diploma, contra 13,9% que defendem a atuação jornalística sem documento.

A Sociedade brasileira quer, sim, bons profissionais, que tragam em si a vocação às artes, à literatura e a uma situação que transcenda a muito mais do que ciência, muito mais do técnica, como diz o ministro Carlos Ayres Britto, mas que estejam devidamente capacitados, através dos bancos de cátedra, para desenvolver a sua visão analítica, a aprimorar o seu senso ético e para despertar-lhe consciência do papel social que ocupa dentro de uma sociedade da comunicação e da informação. E, principalmente a um registro qualificado junto ao Ministério do Trabalho, facultado a todos os que desejam desenvolver essas faculdades, mas agregado por um aperfeiçoamento conferido por um diploma. E nutrido não pelo interesse estrito de um profissional, mas dirigido a toda sociedade brasileira, principio e fim de todos os atos legais aos quais são depositários.

2 comentários:

  1. Que absurdo! Só no Brasil, mesmo!
    É um desrespeito àqueles que levam a profissão (tanto de jornalista como das outras listadas)à sério!
    Com o perdão do chavão, é o princípio do fim!

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  2. Caro Fernando,

    o teu comentário representa exatamente o que eu penso a respeito do assunto. Assim como você, fiz vestibular, peguei o meu diploma e me aprimorei na profissão em que acreditava. É revoltante vê-la reduzida a nada. É triste constatar que alguns colegas se uniram aos empresários e aplaudiram a sentença de morte, com o absurdo argumento que agora sim o diploma de jornalista vai ser valorizado.
    Ora, o objetivo da ação dos empresários é claro: contratar quem eles querem, pagando o que acham justo.
    Abraços

    Clovis Heberle

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