segunda-feira, 27 de julho de 2009

Nossa ira

Irado!

Uma palavra utilizada pelos mais jovens para designar coisas ou situações que lhe agradam ou, ainda, lhe geram bons sentimentos. Uma forma divertida de assumir uma nova conotação para o significado de um dos mais nefastos comportamentos humanos.

Originalmente a palavra significa enraivecido, colérico. Quem entre nós, não foi ainda tomado pela ira? Quando ela toma conta, se manifesta pela perda de juízo, pela emoção incontida de fazer demover um obstáculo que não conseguimos retirar de nosso caminho de forma sensata e controlada.

A ira tem sua raiz vinculada ao medo e ambos remontam ao surgimento do homem neste Planeta, sendo responsável pelo luto, pelo sangue e pelas lágrimas que permeiam a nossa história até chegarmos a este início de século.

Muitas vezes a ira gera um efeito contrário ao medo, que estanca, mas ambas são parceiras, numa combinação explosiva, da mesma forma como é companheira do ciúme, para revelar o amor primário, e da intolerância, para fugir do dever, tornando-se uma autêntica carga explosiva para transformar uma sensibilidade em um incitamento.

Esse comportamento está associado ao instinto animal de autodefesa e ataque, incorporando-se à condição sapiens do homem e passando a ser deflagrado pela irritabilidade, impulsos e necessidades. Faz parte da sensibilidade que regula sua forma de pensar ou agir frente às experiências que realiza no meio em que vive.

Diante da impossibilidade de utilizar a persuasão para impor-se em seu habitat, o ser humano utilizará sua ira para demover o que lhe atrapalha para alcançar seus propósitos. A irritabilidade pode surgir de repente, sem uma causa aparente, quando os instintos suplantam a racionalidade, assumindo formas agressivas, onde irritabilidade e instintos se convertem numa condição dualista.

Há indivíduos que transformam a sua irritabilidade em agressão, mas, geralmente, é difícil acreditar-se que os mais agressivos sejam tomados pela irritabilidade. A ira e a ambição são filhos de uma mesma origem: o poder. As almas de renúncia, os ascetas, os devotos que resolvem desvincular-se da ambição material são mais imunes à sua manifestação, já que suas virtudes incluem atitudes que a impedem de se instalar de forma incontrolável.

Há que se lembrar o caso de Gandhi que, quando jovem, era tido como uma pessoa colérica e explosiva e que conseguiu dominar-se para chegar a enfrentar e a vencer o império britânico, isso sem perder a sua bondade. Jesus Cristo, São Francisco, São Tomas de Aquino, Madre Teresa são exemplos de seres humanos que conseguiram transcender a essa condição humana.

É justamente o afã de dar curso a sua ambição que torna o homem suscetível à ira e de sua propensão de alimentar temores e medos de não ser bem sucedido em suas intenções. E, em escala coletiva, de construir sistemas belicistas que hoje já permitem requintes de destruição da própria terra simplesmente pelo apertar de botões. Hoje, um simples lap top consegue um poderio de fogo jamais imaginado por aqueles que estiveram participando das últimas duas grandes guerras. A guerra deixou de ser física para se tornar cibernética, sendo ela eclodida pela manifestação do medo convertido em ira.



O medo do fracasso é mola mestre para deflagrar-se a ira, assim como sentimentos de limitação ou de enfraquecimento frente a nossos propósitos. A explosão acontece acompanhada de gritos, movimentos ou gestos. É uma torrente de energia vital que se desprende como forma de insurgir-se, principalmente quando se manifesta através de ataques a outras pessoas, às quais considera igual ou inferior, podendo, fisiologicamente, apresentar-se como cólera ou refrear-se, como temor.

Nesse caso, em lugar da explosão ocorre o rancor silencioso, guardado tanto em relação a seus oponentes quanto a si mesmo, pela impotência de dar curso a seus arroubos desconcertantes. O ato de conter-se é uma forma de repressão cujas principais manifestações escamoteiam as reais causas e intenções guardadas. É um momento em que todas as forças de quem a alimenta se convergem para remover os objetos ou pessoas que se interpõem a seu caminho ou permitam encontrar formas de compensar as frustrações de quem as reprime.

Já a fúria é sua face explosiva onde seu autor perde a noção de medida, investindo destrutivamente contra suas causas ou procurando meios para desfazer, em si, a contraparte geradora de conflitos. Age contra si e contra os outros, às vezes simultaneamente, levados pelo discurso de “estar fazendo justiça”.

É incomum uma pessoa externar ou reconhecer o seu medo. Por isso, nem sempre suas atitudes colérico-destruidoras são facilmente reveladas ou associadas às conseqüências. O agressor sempre manifesta estar agindo para “reparar” uma injustiça. Outras vezes, adentra pelos caminhos do julgamento, da crítica e da parcialidade sempre demonstrando estar imbuído de um senso de justiça.

Seja lá como for não devemos confundir levantar a bandeira da justiça quando estamos, na verdade, nos distanciando de uma correta compreensão dos fatos e uma empatia que nos aproxima dos demais seres humanos e, sim, praticando atos com base em nossa antipatia ou buscando compensar nossa auto-piedade por nos sentirmos verdadeiramente fracassados. Em nome da justiça muitos foram condenados à morte durante a inquisição que marcou a idade média ou foram executados a mando de um cabo austríaco que espalhou seus horrores, durante a segunda grande guerra, em nome da purificação das raças.

Muitas vezes, transformamos nossa ira em ironia, ou em uma de suas manifestações, o sarcasmo, para expressar uma agressão estratégica, de forma a humilhar outros seres ou a compensar, através de um ar superior, nossas fraquezas internas.

Nem sempre um sorriso no rosto esboça receptividade e altruísmo, mas ressentimentos, inveja, desequilíbrio interior, ainda que esteja acompanhada de humor, graça e popularidade. Nunca deixa de ser uma forma de alguém utilizar a ironia como forma de compensar as frustrações, fracassos internos ou conflitos afetivos.

A ira constitui, assim, um gerador de comportamentos que nos desviam de nossos propósitos maiores. Através do livre arbítrio, podemos decidir se ela se converta em destruição ou em situações produtivas. Refletir sobre sua existência, em nossa personalidade, constitui o primeiro passo para decidirmos se devemos destruir, destruir-nos ou transformá-la em amor e auxílio ao próximo. Reconhecer a sua existência constitui uma boa razão para debelar fantasias, penetrar na realidade e encontrar a verdadeira humanidade que há em nós, que permeia os verdadeiros princípios universais contidos em nossa verdadeira condição humana*.

* Texto inspirado no livro “Os quatro gigantes da alma”, Mira Y Lopes – Coleção Sagarana – Editora Jose Olímpio.

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