sexta-feira, 24 de julho de 2009

Nossos medos

No afã de guardar a essência da vida em versos, o poeta Vinicios de Moraes assim predicou:

“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se afaste mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”.


Alcançar o infinito e torná-lo durável, suplantar a angustia, a solidão, espalhar o canto, rir o riso, viver a plenitude do amor constituem conseqüências de um tempo e de um espaço vivido. É o eterno desejo de fazer passar pela peneira somente os bons momentos e deixar retido em suas malhas todas as formas de sofrimento que corroem nossa existência e nos tiram o brilho do olhar frente aos desafios oferecidos pela vida.

Para alcançarmos o estado de felicidade plena temos, muitas vezes, que cruzar o rio das adversidades, banharmo-nos nas águas do infortúnio e atravessarmos as correntezas da tristeza para atingirmos, de forma segura, as margens que nos levam ao remanso de estar em paz com a vida.

Por vezes nos perguntamos por que tanta dor e tanto sofrimento, tanto medo de experimentar, se, ao final, nosso destino maior é a morte? Talvez por isso mesmo passamos pela vida tentando extinguir a sede por alcançar a eternidade, que nos arrogará sempre esse gosto da vida que passa e tortura, marcado pela busca de solução ao problema de duração da própria alma.

Cada vez mais quero ser eu mesmo, encontrar minha identidade, deixar de querer ser o outro, para adentrar, a partir de mim mesmo, à totalidade das coisas, a partir da sensibilidade que é conduzida pelos próprios sentimentos.

Vivemos a constante busca pela transmutação, saindo de um estado de anulação de nós mesmos para atingirmos a consciência da auto-existência. Uma busca marcada, muitas vezes, pela solidão, quando bate a impressão do desamparo e a ânsia para se chegar ao amparo, principalmente quando descobrimos que nossos temores são fruto de nossa fértil imaginação.

Quando a sucessão de medos nos leva ao maior deles: o medo da própria vida, das incertezas que o futuro reserva e da busca por desvendar o desconhecido, nos agarrando a toda a sorte de adivinhações para antecipar o futuro e, assim, orientar decisões e evitar o surgimento de surpresas desagradáveis.

O desconhecido suscita em nós o medo e esse nos deixa entorpecidos, tirando de nós a própria espontaneidade. Ou gera em nós a busca por uma “vida ordeira” e conservadora que é reiteradamente imitada para evitar abalos em nossa caminhada. Ou, ainda, nos faz regredir em nossas emoções para evitarmos o enfrentamento dos obstáculos que surgem ao longo da existência.

Ah esse medo da própria vida! Negamos a sua existência porque esquecemos que a única propriedade que possuímos com exclusividade e absoluto domínio é ela, a própria vida. É tão fácil resolver essa equação, deixando, tão somente, a eternidade adentrar por nosso interior. Mas o medo, em lugar disso, abre as portas para as forças obscuras, vindas da profundidade do inconsciente, para nos torturar e nos levar a cometer excessos que sempre terminam em arrependimentos.

O medo instintivo-orgânico nos causa inibições, o medo racional é pensado antes de senti-lo e se manifesta através de uma voz que diz: “não te arrisques”. O medo imaginário nos leva ao desequilíbrio, aos atos passionais.

O medo é astuto, gosta de se camuflar em forma de modéstia, prudência ou preocupações, timidez e outras máscaras que surgem ante o fracasso ou ao ridículo, da auto-insuficiência ou ambição ou, ainda, de oportunidades de ser julgado pelos outros.

O tímido espera pela ajuda de fora e se ressente se a ajuda não vem a ele conforme previsto por ele. Já o pessimista busca a alegria, mas não tem coragem para conquistá-la. O cético se sente desenganado por tudo. O tédio revela o médio de ficar a sós. A vaidade esconde a insegurança e o desconsolo. A hipocrisia não revela a ambição desmedida. A mentira encobre o medo de domínio de si mesmo.

Sim, o medo não é saudável. Exige coragem para debelá-lo, pela análise de causas ou fatores materiais que ocasionam processos inibitórios das atividades vitais. Enfrentar o medo exige o conhecimento de seu modus operandi, principalmente quando se trata de um estado permanente de insegurança, pessimismo, ansiedade ou quaisquer outras formas de desequilíbrio interior.

Alcançar o infinito e torná-lo durável é suplantar nossos temores através da harmonização dos contrários. É aceitar fracassos e estabelecer progressivos triunfos. É estabelecer um ponto de encontro entre a medrosa inibição e a corajosa ação para se chegar à serenidade, onde o ser humano aprende a viver o seu próprio destino e construir uma personalidade superior onde ele é o artífice, criando, recriando e transcendendo os seus próprios limites. *


*Texto inspirado no livro “Os quatro gigantes da alma”, Mira Y Lopes – Coleção Sagarana – Editora Jose Olímpio.

Um comentário:

  1. "O medo não é saudável".
    Fernando, fizeste uma excelente síntese filosófica sobre um dos maiores desafios do ser humano: caminhar sobre o fio da navalha que separa o excesso de auto-confiança (que prenuncia o desastre) das amarras do medo de ousar (que nos condenam a uma vida tediosa, medíocre).
    Um abraço
    Clovis

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