segunda-feira, 19 de julho de 2010

Hanami

Kirschblüten – Hanami é um filme belíssimo. Uma história tocante, uma bela reflexão sobre o nosso tempo, marcado pelo individualismo. Sua trilha sonora é bonita, sua fotografia maravilhosa e seus atores e atrizes excelentes. Produção franco-alemã, de 127 minutos, filmado em 2008, recebeu, no Brasil, o sugestivo nome de Cerejeiras em Flor. Direção e roteiro da alemã Doris Dörrie, Música de Claus Bantzer, Fotografia de Hanno Lentz e Montagem de Inez Regnier e Frank Müller.

Comovente, o filme conta a trajetória de Rudi Angermeier (Elmar Wepper) e Trudi Angermeier (Hanellore Elsner) um casal de terceira idade que vive de forma rotineira e tranqüila, até que Trudi recebe a notícia de que seu marido está com uma doença que lhe dá poucos meses de vida. Os médicos a aconselham a tomar cuidado ao contar ao marido sua enfermidade. Eles sugerem que o casal aproveite os últimos momentos para viajar ou realizar alguns de seus sonhos.

Sem contar ao marido sobre sua doença, Trudi convence-o a saírem do interior da Alemanha e irem à Berlin para visitarem os filhos. Envoltos em suas vidas, os filhos consideram suas visitas verdadeiros incômodos. O filme leva ao espectador a pensar sobre as relações atuais entre pais nessa faixa etária e seus filhos adultos.

Em face do desencontro entre gerações, o casal resolve viajar para a região do oceano Báltico para aproveitar os momentos. O assunto morte vêm à tona, quando Trudi pergunta ao marido o que ele faria, se soubesse que iria morrer logo. Esse lhe responde que voltaria para sua casa e viveria de sua rotina, saindo para o trabalho todos os dias e retornando para ela ao cair da tarde.

A situação se complica ainda mais quando, inesperadamente, Trudi morre, deixando o marido aos cuidados dos filhos. Rudi se desespera pela ausência da esposa e procura reavivar experiências e redescobrir quem foi sua esposa. Suas lembranças o levam a conceber uma nova imagem para sua esposa, apaixonada pela vida e conseqüentemente pelo amor. Rudi lembra que sua amada tinha vontade de ir ao Japão para conhecer o Monte Fuji e visitar as cerejeiras em flor.

Aproveitando a presença do filho, que mora em Tóquio, Rudi se desloca para o Japão, como forma de resgatar o convívio com seu dileto filho, – Karl Angermeier (Maximilian Bruckner). Da mesma forma que os seus irmãos, Karl também não tem tempo e muito menos disposição para tomar conta do seu pai.

Solitário e vivendo numa terra estranha, Rudi começa a conhecer Tóquio por sua conta, ao mesmo tempo em que vê sua relação com o filho cada vez mais deteriorada. A cidade, que combina modernidade e tradição, o seduz e o assusta ao mesmo tempo. Buscando conhecer as Cerejeiras em Flor, por ocasião o Hanami, o festival das cerejeiras, conhece uma jovem de 18 anos, Yu (Aya Irizuki) e as coisas começam a mudar em sua vida.

Yu o introduz na arte do butô, uma dança que visa fazerem as sombras dos corpos humanos dançarem, simbolizando o lado oculto que não conhecemos. Yu também padecia da perda de sua mãe e ambos buscam se comunicar com seus entes queridos através da dança.

Como sua viagem se faz em homenagem à sua esposa, Rudi leva consigo, para dançar, as roupas e colares de sua amada, passando a vesti-los. Há um simbolismo em tudo isso, pois Rudy não sabe para onde foi sua esposa, depois de deixá-lo e, assim, ele deseja que sua esposa, do lugar desconhecido por ele, o acompanhe em suas experiências através das roupas femininas que veste.

Yu utiliza em suas danças o uso de um velho e ultrapassado aparelho telefônico, confeccionado ao tempo em que a discagem era feita por meio de um disco, que girava para acionar o número discado, como forma de tentar se comunicar com sua mãe desde a sua morte. Ao também tentar utilizar um aparelho telefônico semelhante, Rudi se dá conta que só pode adotar a dança e seu simbolismo, se começar a liberar a sua mente.

A amizade entre Yu e Rudi se desenrola dentro de uma preocupação, mantida pela diretora, de levar seus espectadores, a pensar sobre a perda e superação dos ciclos da vida.

Ambos resolvem visitar o majestoso Monte Fuji, na zona rural do Japão.

Mas a tentativa passa a ser sucessivamente frustada, pois o Monte permanece, por alguns dias, sem ser visto, em razão da existência de nuvens baixas. Mas Rudi insiste, até que, numa certa madrugada, ele acorda, abre a janela e consegue enxergar todo o explendor e opulência de suas formas. A Fotografia é impecável.

Rudi procura fazer um ritual, utilizando as técnicas do butô, em seqüências as mais bonitas do filme, quando sua imaginação o leva a dançar com sua esposa, até o amanhecer. Ao raiar do dia, Rudi deixa esta vida, agradecido e de bem com ela.

Para os críticos, o filme, apesar de uma proposta interessante, peca na seqüência de imagens, assim como de edição e, ainda, pela tentativa de a diretora imiscuir, numa só proposta, valores culturais germânicos e nipônicos.

Para mim acho que tais “críticas” são preciosismos de quem precisa provar que entende do que está analisando.

O filme deixou claro, para mim, uma pergunta fundamental, que poderia muito bem ser colocada nos lábios de Rudi mas que é pertinente a cada um de nós: “eu sei viver”? Ou apenas sobreviver?

Será que me deixo levar pela rotina, em razão da ausência de sonhos existenciais, ou sei dar à minha vida uma direção conseqüente e capaz de me tornar um ser feliz, apesar das agruras da vida?

Geralmente, quando temos uma vida pela frente, para ser vivida, nunca buscamos descobrir a essência da vida. Só quando estamos condenados à morte, como Rudi, é que saímos em busca dos valores essenciais que justificam a nossa passagem por este plano de existência.

Com efeito, quando ingressamos na chamada “idade madura” descobrimos que o importante não é termos emoções existenciais que nos fazem vibrar diante da vida. De nos sentirmos vivos. Mas, sim, os nossos sentimentos. Sentir, em lugar de emocionar-se.

O que nos mostra Rudi é que, enquanto esse viveu sob o domínio de suas emoções, ele sofreu e se abrigou na rotina para impedir as inconstâncias na vida. Mas quando passou a aguçar a sua busca em aprimorar os seus sentimentos, passou a ver a sua vida de forma diferente, deixando de temer o devenir, as inconstâncias e a também perceber, com sua sensibilidade, a magistral obra da natureza, a partir de valores que conformam sua espiritualidade.

Nos últimos tempos, tenho aprendido que o espírito que habita cada ser humano costuma falar com sua alma e sua personalidade através de diferentes maneiras, mas, de uma foma usual, raríssimas vezes utiliza a mente racional para fazê-lo, sendo mais usual utilizar-se dos canais da intuição, dos sentimentos e até mesmo do instinto.

Muitos de nós, assim como Rudi, prefere viver a sua rotina, dentro de sua paralisia humana, cativos que somos de nossos bloqueios e inibições, pois somos escravos de nossos medos, e onde gastamos uma grande quantidade de energia simplesmente para manter tais limitações em seu cativeiro.

Até que somos compelidos a enfrentar antigos padrões e estruturas que, durante um longo tempo, nos serviu como cativeiro para escondermos os aspectos menos agradáveis de nossa personalidade.

Através de nossas máscaras, que utilizamos em nossas profissões, filiações a nossas instituições, atitudes sociais, sorrisos afáveis e diplomacias, e de nossas rígida moral familiar, tão bem tratada pelo filme.

Até que a sensibilidade, para com os valores existenciais, nos faz romper com essas estruturas e as colocarmos fora, como roupa velha que não nos serve mais, principalmente diante de eventos desencadeantes, como foi a morte de Trudi para Rudi. A partir daí nos desfazemos de todas as estruturas que construímos no mundo externo para completar o nosso eu incompleto.

Mudanças internas provocam mudanças externas, como nas cenas em que dança o butô, porque algo dentro dele, assim como no interior de cada um de nós, atingiu o ponto de ebulição e já não pode ser contido.

Antes se fechando para vida, criando rotinas e guardando no interior de si o eu incompleto, chega o momento em que tudo eclode e desperta a consciência presente na vida de todos. O ideal de perfeição se acende, a noite escura é dispersada e se abre, no interior do ser humano, a fé no espírito de luta da vida que, dentro de seu ritual, chega ao esplendor quando nos ternamos verdadeiros em relação a nós mesmos.

Essa beleza o filme nos incita. Como diz a frase de um internauta: o filme é “Um canto a novos começos”.

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