sábado, 24 de julho de 2010

Sentimentos ou emoções?

Conta-se que, longe da dimensão tempo/espaço, um Mestre Ascensionado estava empenhado em fazer seus adeptos entenderem o significado da harmonia entre o corpo e o espírito. Ele sabia muito bem que os anseios da carne ensejavam a ansiedade, a angústia, os medos, a raiva, a insegurança, a dispersão, a preguiça e muitas outras emoções. E, também, que seu antídoto, seria a concentração, a retidão, a amabilidade e a compaixão, como formas de permitir a união estável entre corpo e espírito.

Para falar sobre o assunto, visando aclarar a compreensão de seus adeptos, contou uma parábola sobre um asceta que estava empenhado em desenvolver, através da meditação, a profundidade de sua consciência.

Todos os dias esse asceta esperava os primeiros raios de sol, e, utilizando um banquinho, ia se sentar em frente a uma enorme parede branca, fixando o seu olhar sobre ela até o sol se por. Então ele levantava-se de seu banquinho e agradecia aos céus por mais este dia, e seguia rumo a seu lar onde registrava suas experiências num pequeno caderno, e, em seguida, preparava-se para alimentar-se, banhar-se e descansar o seu corpo, até que um novo amanhã surgisse e houvesse um novo encontro com a parede branca.

Um certo menino, que também fazia um trabalho ascético para desenvolver a observação, via aquele asceta, diariamente, prostrar-se frente ao muro e lá permanecer até o cair da tarde. E, movido por sua curiosidade, não resistiu à tentação e foi indagá-lo sobre seus motivos e propósitos, bem como resultados de seu trabalho.

Num ato de impulso, que quebrou a sua timidez, aproximou-se daquele homem e lhe disse: eu venho aqui todo o dia e o vejo nessa posição, sem se movimentar, e, como trabalho a observação, tentei fazer o mesmo que você. Mas não consegui. Fiquei fitando o vazio, sem produzir algo diferente. Por isso nada coloco em minhas anotações, já que tudo é vazio.

O homem interrompeu a sua meditação, franziu a testa e esboçou certo tom de desaprovação, por ter que parar o que estava fazendo. Então perguntou ao menino: “o que estás me dizendo é que me observas, mas não vês nada de diferente em mim, não vês o que vejo e não consegues chegar a nada, senão o vazio”?

O menino lhe ascendeu positivamente com a cabeça. O homem lhe respondeu que o que ele buscava, ao fitar a parede, é tão somente aprofundar o seu olhar e aprender a ver. Ao fitar a parede, ele viu uma fenda. E passou a dirigir o seu olhar sobre ela. Para ele, olhar a fenda, existente naquela parede, lhe dava inspiração para trabalhar a si mesmo, em seu dia a dia. Aprendia desvendar-se mais e mais.

O asceta acabou confessando que, de início, olhava a fenda e não conseguia avançar o seu olhar, e, assim como o menino, tudo, para ele, era um vazio. Mas ele insistiu naquele olhar, pois a fenda lhe mostrara como algo pode se transformar de modo sutil, porém profundo”.

O Mestre disse a seus adeptos que assim como esse asceta, muitos homens se preocupam em querer enxergar a mudança nos outros, através de seus atos e movimentos. Ele explicou que as verdadeiras mudanças não se iniciam por atos e movimentos, mas pela busca da profundidade, frente à imensidão de si mesmos.

Quando o buscador encontra a fenda e a diferencia das demais partes da parede branca, observa que esta começa a mudar, sem que os seres humanos percebam essa mudança. Muitas vezes, os seres humanos ficam alheios a essa transformação, porque seu foco não está na fenda, nem sequer na própria parede branca, grande demais para permitir um olhar contínuo sobre ela.

Disse o Mestre a seus adeptos, que os seres humanos costumam observar no outro seus atos e movimentos, mas não chegam a compreender porque aqueles que mais se debatem, que mais agem, que mais se movimentam, são tão mais vastos que uma parede branca, porque não conseguem ver-se com profundidade.

O Mestre lhes disse que, se quiserem aprender o dom da observação, não devem fixar-se em atos e movimentos, porque geralmente a verdade não está lá, mas, sim, na profundidade do seu ser.

O Mestre lembrou ser comum, entre os seres humanos, encontrarem-se frente a si como se estivessem frente a uma parede branca, como se esse fosse o seu futuro. Como não conseguissem enxergar a si mesmos, ficando inquietos, sentando-se em seus bancos e passando a dizer que sua visão não enxerga outra coisa senão o vazio. Que nada muda em suas vidas, que vivem sempre a mesma rotina.

Agindo assim, segundo o Mestre, esses seres perdem a profundidade de si mesmos, porque se deixam levar por suas emoções, que, para Ele, são vastas, vagas e, ao primeiro sinal de ventos a soprar, se perdem e se deixam flutuar por onde a brisa sopra.

Mas quando buscam colocar um foco em si mesmos, eles encontram as fendas, as feridas e também as soluções, as dores, os valores, porque estão mais profundos, entregando-se às suas verdades, uma vez que o sentir sempre sabe e jamais pára de evoluir.

O Mestre costuma lembrar que, se aprenderem com essas verdades, que emerge de seu interior, os seres humanos entenderão que jamais estão estagnados, mas continuam sentindo suas vidas, e, quando sentem, é chegada a hora de fazer os movimentos, caso não estejam anestesiados.

Ele diz a seus adeptos que tudo muda, tudo caminha, tudo se transforma e tudo evolui, porém é preciso se ter profundidade, frente à parede branca. O Mestre chama a esse procedimento de Lei das Escolhas, pois, do outro lado desta parede existe apenas um caminho, chamado de “a escolha certa”. Para isso, é necessário apenas um fluido divino, que é o único capaz de fazê-lo passar pela fenda e, daí em diante, poderá até pintar a parede de uma nova cor, criar novos muros ou talhar novas fendas.

Muitos tentam achar o caminho e se esquecem que, se não existisse a parede, achariam tudo sem sentido, como o fazem com suas vidas. E, quando se aprofundam em suas verdades, também encontram a si mesmos. Quando acham o fluído divino, trilham o caminho certo, recebendo, a partir daí, a certeza de que há um cajado para cada discípulo, oferendado por um Mestre.

Para Ele, quando fazem a escolha certa, são sempre bem-vindos, suas verdades são quase sempre certas, seus atos e movimentos permitidos, porque já chegaram ao Caminho. Mas, para receberem o cajado, devem seguir duas verdades maiores: observação e profundidade. Ultrapassado o umbral da parede branca, saberão que não estão sozinhos, porque outros seres também estão em busca de uma parede branca e, certamente, vão se encontrar para seguirem juntos.

E, naturalmente, eu acrescento: dispor do amor, da entrega, da dedicação de um Mestre, que ilumina o caminho e oferece uma caminhada compartilhada, cheia de experiências, que se escondem por trás de uma parede branca, que se revela ao início, sem sentido, sem mostrar as fendas, por onde todo o caminho deve começar.

A consciência surge de dentro para fora e não de fora para dentro. É preciso observar e aprofundar o que se apresenta, de início, um imenso vazio, cujas aguas profundas deixam de ser turvas e se tornam límpidas e por onde o caminho se apresenta claro e evidente. Para se chegar a essa clareza, é só seguir as fendas e tudo se dará por acréscimo.  

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