segunda-feira, 12 de julho de 2010

O legado aos mais jovens e a espiritualidade

Fazendo um monólogo sobre a situação atual do Brasil, tenho me perguntado se não estou sendo moralista demais, quando analiso o legado que estamos deixando para nossas crianças. É que pessoas mais velhas, como eu, costumam considerar as suas experiências, trazidas da infância e da juventude, que constituem a sua realidade vivencial, para tentar entender o que se passa com essa nova juventude, que há de nos suceder na condução dos destinos deste País e de nosso Planeta. À guisa de tais elementos, no entanto, nós, mais velhos, estamos correndo o risco de parecermos caretas, conservadores em relação às transformações porque passa cada nova geração.

Nas escolas, alunos, até mesmo menores de 12 anos, começam a andar armados. Alunos agridem, fisicamente, professores e professores agridem seus alunos. Alunas são estrupadas por colegas. Alunos que incendeiam mendigos. Fora dos ambientes escolares, são deixadas em companhia de babás eletrônicas. Jovens que formam gangues, a princípio, para maior segurança, mas, depois, desvirtuam-se pelo caminho, intimidando os mais fracos e susceptíveis ao poder que emanam. Jovens que, em escala crescente, experimentam drogas como forma de escape de suas questões existenciais e em busca de conquistar um prazer imediato que, na maioria das vezes, culmina com a dependência e alienação.

Por certo que contam com exemplos pouco significativos para a sua formação psicológica, em meio a ambientes escolares e familiares desprovidos do principio da solidariedade. E, ainda, as deficiências de um sistema de ensino que enseja a falta de aulas e a fazerem passar de ano alunos sem estudar. Tudo isso em meio à remuneração deficiente de professores e a existência de um número expressivo deles que dão aulas de matérias as quais não possuem formação. A Escola não constitui um ente a parte, mas é resultado da interação que mantém com a sociedade que a criou e a alimenta. Muitos deles derivados de lares desestruturados, formados pela imaturidade emocional.

A falta de limites, impunidades para atos de desvios, geram comportamentos de arrogância, ausência de escrúpulos, como conseqüência da falta de noção entre o que é certo e o que é errado.

Nasce uma geração violenta, marcada pela a exacerbação de direitos individuais e a invasão sobre os direitos alheios. Ao chegar na vida adulta, esses adolescentes transformam essa transgressão em estatística. Neste momento, o caso Bruno invade as manchetes dos principais jornais do mundo, que vê estarrecido como os efeitos que a falta de afetividade, na infância, pode causar aos indivíduos quando alcançam a vida adulta.

No mesmo dia em que escrevo este artigo, domingo (11), um jovem é preso, em Alagoas por tentar estuprar uma idosa de 88 anos, na zona rural de Coruripe, a 85 km de Maceió. O que dizer desse fato? E dos valores existenciais presentes na vida deste jovem?

Paralelamente, a grande imprensa divulga os números de uma pesquisa disseminada pela Central de Atendimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal, durante o decênio 1997 a 2007. Os números mostram que, em média, dez mulheres são assassinadas por dia. A maioria vítima de crime passional.

No Rio de Janeiro é registrada uma vítima a cada 24 horas. Segundo uma pesquisa do Instituto de Segurança Pública do Rio, 128 mulheres sofrem ameaças de parceiros todos os dias. Quarenta e quatro são vítimas de tentativa de homicídio por mês. Delas, 45,8% conhecem os acusados, que não se conformam de terem sido rejeitados. Segundo conta uma vítima, que não quis ser identificada aos promotores da pesquisa, e que engrossa essas estatísticas: “Do beliscão e do puxão foi para o tapa, para agressividade mais forte. Quebrou o carro todo, me agrediu de várias formas com pontapé, soco. Foi quando eu resolvi denunciar”.

O resultado dessa escalada? Apesar da violência, muitas mulheres não conseguem romper o relacionamento. Muitas dependem psicologicamente ou financeiramente dos companheiros e desistem de prosseguir com as denúncias. “Terminei o namoro e hoje em dia eu consigo ter uma relação ótima, sem violência”, conta uma vítima.

No âmago desta realidade está a existência de indivíduos com baixa estima e a formação inadequada de ambientes familiares. E de suas conseqüências no ambiente escolar e social, onde as influências, o poder econômico e a impunidade estão presentes de forma subjacente.

Geralmente, a iminência de fatos, guardados na intimidade, virem a ganhar repercussão pública, constitui o estopim para descontrolados desatinos. É como se uma represa que, depois de rompida, carrega tudo o que esteve represado, levando com suas águas tudo o que se mantinha contido.

E essa contingência não é só privativa de alguns poucos, mas afeta o ser humano indistintamente. Quanto mais o ser teme a revelação de fatos que preferem permanecer escondidos, maiores são os desatinos, assim como maior será a tendência de ver a sua vida esmiuçada e transparente no domínio público.

Muitos que me lêem hão de perguntar: “o que eu tenho a ver com tudo isso? Se não fui eu que criei essa realidade, não estou diretamente envolvido, nem presencio a maioria dos casos de violência. Está longe de minhas experiências existenciais, longe dos meus olhos e fora dos ambientes que convivo”.

“Não existe o livre-arbítrio? Não seriam essas pessoas, diretamente envolvidas, responsáveis por tudo o que criaram?”, perguntam. “Então porque tudo isso tem a ver com a minha vida e com o meu destino?”

Somos parte de um Universo e, como a palavra já diz, uno, indivisível, conformado por partes que se complementam, para formar o todo, assim como uma puzzle, cujas peças, sozinhas, podem se bastar mas precisam de outras para formar o desenho final.

Somos parte de um todo e ao todo vamos, progressivamente, nos integrar. Sem perdermos a individualidade, porém fazendo parte de um esforço de concretizar uma obra que depende de encaixes.

O que podemos fazer para reverter essa tendência à violência que acomete a atual sociedade brasileira? Trabalharmos tanto espiritual quanto materialmente para revertermos o quadro em que se encontra a atual sociedade brasileira. Do ponto de vista espiritual, trabalhando para aumentar as boas energias e, do ponto de vista material, acabarmos com a impunidade e a ausência de limites na formulação das relações sociais.

Estamos acostumados a encarar a realidade dentro de uma lógica cartesiana que costuma separar a semi-consciência biológica de uma consciência humana. Vivemos trabalhando para fazermos plasmar um mundo idealizado e estável, ignorando a existência de um mundo instável e evolutivo que é alimentado por energias, de ordem eletromagnéticas. Tais energias emanam de uma só fonte, circulam, assumindo diferentes graduações, que vão das mais grosseiras às mais sutis, sem deixar de perder a integralidade e unicidade.

Aqueles que escolheram alguma forma de trabalhar a expansão da consciência e a encontrar estados não ordinários, para alcançar a dimensão espiritual, sabem da unicidade que une os homens. Ao alcançarem esta extraordinária lucidez, meditação, concentração e contemplação profundas, essas pessoas entram num estágio de abstração que lhes permitem sentir as dores que outras pessoas sentem, se tornando parte do outro.

Alcançam uma espécie de consciência transpessoal, onde predomina uma energia estática que lhe dão a condição de liberar-se de suas limitações humanas e lhes darem a certeza de estar em contato com a realidade divina. É uma experiência intransferível, que extrapola as estruturas e dogmas estabelecidos por igrejas e doutrinas. Essas pessoas aprendem a distinguir a realidade dinâmica ordinária dos planos transpessoais, descritos por Patrick Drouot, em sua obra “O Físico, o Xamã e o Místico”.

Esses estados, vivenciados por aqueles que alcançam uma realidade transpessoal, são alcançados por todos, durante o sono, embora a maioria não se aperceba das formas de contato que mantém, enquanto encontra-se fora de sua consciência biológica. Tudo isso está ao alcance de todos, como forma de realizarem o seu aprimoramento nas relações entre homens e o Universo, e, também, que sua evolução pessoal não é suficiente e que, para ser completa, necessita dos demais seres que o rodeiam para alcançar níveis mais elevados de evolução.

Enquanto o mal avança, ruidosamente, o bem se recolhe silenciosamente, para dentro do coração daqueles que buscam uma consciência mais elevada. Como diz Patrick Drouot: “a matéria não poderia existir sem uma consciência para percebê-la”.

Precisamos de novos líderes, mais preocupados com seus liderados do que com a sua própria satisfação de seus desejos. Precisamos de pessoas compromissadas com o desenvolvimento espiritual, que levem o equilíbrio à forma para evitar as dissociações patológicas. E não de maus líderes, que usam o domínio da força, da arrogância e da intimidação, convertendo-se em maus exemplos para os mais jovens.

Precisamos quebrar com o princípio grego dualístico vigente, dos pares de opostos, substituindo-o pela crença de que o universo é uno e não separado. E que, em decorrência, todos os atos de irresponsabilidade, de quem os pratica, estarão diretamente ligados à contingência de retornar a si mesmos, dentro da lei de causa e efeito, pois o Universo não é infinito e, portanto, tudo o que é feito em seus domínios volta a seu ponto gerador.

Para aqueles mais conseqüentes, com o que acontece, hoje, no Brasil, em relação à escalada da violência, resta a abertura de canais de discussões sobre as formas como podemos enfrentar, conjuntamente, os seus sintomas, de que pelo menos parte da população carece de um sentido mais transcendente para suas vidas e, também, que suas formas desarmoniosas de constituição colidem com o princípio da harmonia que rege o grupo humano a que pertencem.

A impassividade e o imobilismo podem parecer uma posição mais cômoda: a neutralidade. Mas logo-logo os efeitos desse imobilismo poderão reverter-se no agravamento dessa realidade que já atinge, de forma sintomática, a toda a sociedade brasileira.

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