segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Avatar

Será que, quando chegar a hora, nós humanos vamos colocar os pés em outros planetas da mesma forma como os europeus os colocaram nas Américas, durante o século XVI? Será que, ao explorarmos outras dimensões do Universo, deixaremos de lado atitudes de paz e de integração aos ambientes visitados, para darmos prioridade a busca de riquezas e ousadia, assim como o fizeram, naquele século, portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses, franceses e tantos outros caçadores de aventuras, conforme tão bem retratou Sérgio Buarque de Holanda, em seu “Raízes do Brasil'? Será que nos lançaremos ao espaço como verdadeiros colonizadores, cerceando liberdades e tratando nativos de forma subjugadora?


Pelo menos essa é uma reflexão que James Cameron traz a seu público, através do filme “ Avatar” seu primeiro longa-metragem, após o fenômeno Titanic (1997). Sou um daqueles retardatários que, até ontem, ainda não tinha assistido ao filme. E, de cara, compreendi porque a criação de Cameron, em apenas seis semanas, após entrar em cartaz, nos cinemas mundiais, se tornou a mais rentável de todos os tempos, porém não conseguiu sensibilizar o poder hollywoodiano, que apenas ratificou, no Oscar deste ano, as indicações de Melhor Fotografia, Melhor Direção e Arte e Melhor Efeitos Visuais.

Quando o assisti, ontem, vi que o filme é tudo aquilo que disseram dele, em suas duas horas e 46 minutos de duração. Para o grande publico a estória agrada pela existência de um casal que encontra impeditivos para sua união, fórmula que Cameron também utilizou em seu Titanic, através dos personagens vividos por Leonardo de Caprio e por Kate Winslet.

Por isso mesmo prefiro, ao traçar impressões sobre o filme, me valer de minhas anotações sobre aspectos político-sociais e culturais que estão subjacente à mensagem de Cameron.

O primeiro deles é o fato de ele questionar a forma imperialista e colonialista com que seu País vem atuando na política internacional, assim como já o fizeram os colonizadores da América. Certamente um tema que não agrada aos poderosos de Hollywood.

Senão vejamos:

A narrativa de Cameron se passa no futuro, quando seu Pais resolve invadir Pandora, uma lua que orbita ao redor de Polyphemus, habitada por humanóides azuis de 3,5 metros de altura, chamados de Na´vi. O subsolo dessa lua é rico em um mineral chamado unobtainium. Cinco anos antes, do momento em que se passa o filme, esses colonizadores haviam feito uma tentativa de “domesticar” os nativos de Pandora, ensinando-lhes a língua inglesa, através de uma missão catequizadora, assim como fizeram os colonizadores aos tempos de Colombo, com o propósito de que esses nativos viessem a “colaborar” com os invasores, retirando-se das áreas onde estão assentados e onde se encontram as maiores jazidas de unobtanium, cuja cotação da época é estimada em Us$ 20 milhões de dólares por quilo.

Mas os primeiros contatos, em lugar de levar os na'vis a se tornarem afáveis e submissos, os fez arredios e hostis, ao perceberem o perigo que tal invasão poderia significar, não só para eles, como para a quebra do equilíbrio do ecossistema existente.

Por isso, agora chega a vez de uma nova missão ser enviada em busca dos na'vis, com o propósito de fazer com que as resistências fossem demovidas.

A presença invasora era composta por um contingente expressivo de militares, para garantir o poderio bélico, sob o comando do coronel Miles Quarithc, que não hesita em destruir a população local, em busca daquele minério, além da pesquisadora Grace Augustine (Sigourney Waver), que chefia uma equipe de estudos do meio ambiente e atua com os Avatares, seres com aparência de Na'vi e DNA de humanos, e que recebe a missão de se aproximar dos nativos para aprender seus hábitos e costumes, visando facilitar as estratégias de invasão do território.

Para a missão, contam com a ajuda do ex-fuzileiro e paraplégico Jake Sully (Sam Worthington), que, seduzido pela promessa de voltar a andar de Quatrich, aceita tomar o lugar do irmão gêmeo Tom, que havia sido treinado para essa missão, porém morrera dias antes, onde Jake passa a usar o mesmo DNA para interagir com seu Avatar.

Jake Sully, Grace e seus companheiros entram em câmaras especiais, para se colocarem em estados alterados de consciência, onde podem, dali, “entrarem” nos corpos dos Avatares, para dar-lhes vida. E é nessa condição que se dirigirão à região onde se encontram os na'vis para travar-lhes contato.

É nesse momento que o Diretor faz a sua segunda importante abordagem, ao retratar o território de Pandora todo coberto por matas, rios e cascatas, animais selvagens e inúmeras tribos, distribuídas ao longo de seu território. Cameron aproveita a sua obra de ficção-científica, para discutir os problemas ambientais porque passa o Planeta Terra, para questionar a sustentabilidade e a necessidade imediata de ações que levem a salvar Gaia, fazendo recriar, em Pandora, uma fauna, uma flora, costumes e tradições essencialmente ligadas a seus questionamentos, através de um realismo impressionante.

Assim como ocorreu com os ameríndios, os nativos viviam em tribos, usando arcos e flechas, eram desprovidos de quaisquer tecnologias, que pudessem melhorar suas vidas, sendo liderados por um cacique e por sua esposa xamã, simbolizando o poder material e o poder espiritual em união e cooperação. Usando a mente humana de Jake e o corpo de um Avatar, o enviado invasor penetra na mata utilizando a sua experiência de “mariner” para sobreviver na mata. Mas, em situação de perigo, acaba sendo salvo por Neytiri, uma jovem Na'vi, filha do pajé e da xamã que dirigem a tribo.

A jovem, depois de salvá-lo do ataque de animais ferozes, resolve abandoná-lo na floresta, mas recebe um aviso dos céus, de que deveria guiá-lo e lhe dar atenção, acabando por conduzi-lo aos membros de sua tribo. De início, é hostilizado e ameaçado pelos guerreiros, mas a xamã resolve pedir a sua filha Neytiri para treiná-lo e introduzi-lo nos usos e costumes de seu povo.

Jake, que era um militar, tem, agora, a tarefa de se tornar um guerreiro. Há, entre os dois, uma notável diferença: o militar americano, levado por seu patriotismo, deve lutar e matar usando uma obediência cega, inqüestionável, uma verdadeira máquina de matar, desprovida de discernimento. E, agora, tem que aprender a ser um guerreiro, que possui livre arbítrio, consciência, sabedoria e independência, para agir somente através de seu juízo de valores, sabendo preservar a vida, o equilíbrio e a dignidade frente às adversidades que a vida lhe impõem.

De início, Jake mostra um coração forte, mas comportamento de criança, o levando a ao perigo frente a uma matilha de animais ferozes, semelhantes aos lobos. Para salvá-lo, Neytiri acaba matando um dos animais e depois lamenta por sua morte, já que ela simboliza um desequilíbrio das forças da natureza. Cameron retrata, nesta cena, o medo de um ser humano se encontrar em ambiente hostil e desconhecido, fator que leva animais selvagens a investir contra ele, ao perceberem o desequilíbrio em seu estado anímico.

Certamente um guerreiro passa por tal situação de forma diferente, pois consegue dominar o seu medo, respeita o seu oponente, porém é detentor de confiança em si e determinação para sobrepujar seus adversários. Com isso, Jake vai compreendendo e percebendo as diferenças entre um mariner e um guerreiro, onde arriscar-se e lançar-se às dificuldades constituem atitudes inerentes à condição que luta para alcançar.

O guerreiro está perfeitamente integrado ao ambiente em que vive, conectado com suas divindades maiores, representadas, no filme, por Eywa, e pelas forças da natureza, está subordinado a seu líder, porém possui discernimento e livre-arbítrio para agir segundo suas próprias convicções, sem, contudo, deixar de fazer parte a sua tribo.

É por isso que há a rejeição inicial dos na'vis ao novo integrante, pois ele já carrega consigo medos e vícios que o detém frente as adversidades, algo difícil de fazer remover, assim como encher um copo que já está cheio, conforme diz Neytri. Para seguir aprendendo, Jake tem que esvaziar-se de tudo, e somente não opor resistência às novas situações a que lhe é colocado a prova. E, também aos poucos, vai ganhando coragem e capacitando-se para viver a sua nova condição.

Os nativos ou os omaticayas mantém a Árvore Sagrada, que esconde um campo de fluxo de energias, que lhes dão sabedoria e consciência unitiva. É nela que Jake vai concluir o seu aprendizado, ao receber, em cerimônia xamã, a sua condição de guerreiro, sob as bençãos de Eywa. E também os cumprimentos de sua nova tribo, onde cada guerreiro encosta a sua mão nas costas de outro, à sua frente, formando uma grande mandala humana, representando, simbolicamente, a ignorância do ser humano frente aos mistérios da vida.

É assim que Cameron vai construindo um mundo de contrastes, onde, de um lado, um povo invasor, possuidor de um poderoso exército, aparelhado pela mais adiantada tecnologia e alimentado pela ambição extrativista, consegue encontrar um povo rudimentar, porém detentor de um grau elevado de espiritualidade, devidamente conectado às energias que alimentam aquela natural e diversificada forma de existir.

Para os invasores, os nativos são macacos azuis, selvagens repugnantes que merecem ser destruídos. E também é assim que Jake vive a sua crise existencial, onde valores humanos de sua civilização imperialista e materialista se opõe aos valores holísticos e conservacionistas de seu novo povo, quando está na condição de Avatar. Jake acaba perdendo a confiança na'vi, quando ocorre o início das investidas bélicas dos colonizadores.

“Não sei mais quem sou”diz ele. Ele sente que a sua situação se invertera, quando descobre que ser Avatar é, para ele, um mundo real e ser humano paraplégico se torna o mundo dos sonhos. No momento de seu maior dilema existencial, os guerreiros do clã descobrem sua verdadeira identidade: um demônio em corpo falso. Jack só consegue reverter a sua situação quando torna-se Toruk Macto, o cavaleiro da última sombra, passando a reunir, em volta de si, guerreiros de todos os clãs para enfrentar o grande inimigo. A batalha se inicia: canhões, robôs e aeronaves, contra guerreiros de arco e flecha, em suas montarias ou a pé, numa luta aparentemente desigual.

Não obstante, os guerreiros omatycaias contam, ao seu lado, com uma força poderosa: a existência de um sistema de comunicação eletroquímico, que existe entre os animais e as raízes de mais de um trilhão de árvores. Esse sistema permite cerca de 10 milhões de conexões, formando uma verdadeira rede, mais conexões que um cérebro humano, que transmitem informações e dados capazes de neutralizar a força bélica dos invasores e que acabam agindo a favor dos nativos. A natureza se torna hostil ao grande exército.

Foi isso que Jack percebeu, de que a riqueza verdadeira não estava no subsolo, mas ali mesmo, pujante, sobre a terra, em sua volta, e que, para compartilhar toda essa vida, seria necessário entende-la e interagir com suas formas, usando, para isso, a força da mente, as energias eletroquímicas, a sua fé interior em todos os aspectos intangíveis de sua inteligência.

Vencido, o grande gigante volta para casa, tal como ocorreu no Vietname, ou, mais recentemente no Afeganistão ou Iraque, onde sua força permitiu a tomada do poder, porém não a conquista de um território dominado pelas guerrilhas e emboscadas, de inimigos invisíveis e capazes de atenuar o poderio bélico, a arrogância e a ambição.

Quanto a Jack, esse compreendeu, ao encontrar a inteligência superior, também achara a sua segunda chance de vida. Pois um guerreiro na'vi nasce duas vezes: uma quando vem a esta forma de vida e a outra quando se torna um verdadeiro guerreiro e passa a ser, para sempre, reconhecido como filho de omaticaya, a partir de sua coragem, determinação e sabedoria, em defesa de todas as formas de vida e em consonância com as leis de Eywa em toda a sua exuberante beleza.

Tudo isso sob as lentes de Cameron, que busca rever os valores convergentes de uma nova ordem mundial mais igualitária, entre os povos, sob os olhares complacentes da academia, que conserva a sua própria lógica.

É o enorme paradoxo hollywoodiano, que permite a sensibilidade de fazer-se questionar o status quo vigente, porém deixa de premiar e reconhecer uma obra que relativiza o american way of life, em tempos de Obama e Hilary Clinton, em meio a políticas de expansionismo e belicismo aculturadores e mantenedores da hegemonia de poder em favor das grandes potências, retratando, assim, a realidade vigente em pleno século XXI.

E a sugerir que tal condição fatalmente será levada a outros planetas, quando naves intergalácticas deixarem a terra, ostentando o seu poderia bélico, capaz de garantir a obtenção de riquezas, em lugar da convergência de valores e a harmonia das relações com outras formas de vida, sejam eles na'vis ou quaisquer outros, talvez assentados em suas árvores de sabedoria, como sugere Cameron, em seu Avatar.

Estreando em 18 de dezembro de 2009, o filme traz no elenco Sam Worthington, Sigourney Weaver, Michelle Rodriguez, Zoe Saldana, Giovanni Ribisi, Joel Moore, com produção de Cameron e John Landau, Roteiro de Cameron e fotografia de Mauro Fiore.

2 comentários:

  1. Fernando,
    Me convenceste a ver o filme.
    Abraço
    Clovis

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  2. Fernando Sanchotene : Nada que está escrito aqui é o que eu estou procurando . . . Me ajudem esse filme está me deixando maluca não consigo entender NADAAAAAAAAA ´ § Beijos e abraços e me ligueem : 2241-6199

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