sábado, 24 de julho de 2010

Sentimentos ou emoções?

Conta-se que, longe da dimensão tempo/espaço, um Mestre Ascensionado estava empenhado em fazer seus adeptos entenderem o significado da harmonia entre o corpo e o espírito. Ele sabia muito bem que os anseios da carne ensejavam a ansiedade, a angústia, os medos, a raiva, a insegurança, a dispersão, a preguiça e muitas outras emoções. E, também, que seu antídoto, seria a concentração, a retidão, a amabilidade e a compaixão, como formas de permitir a união estável entre corpo e espírito.

Para falar sobre o assunto, visando aclarar a compreensão de seus adeptos, contou uma parábola sobre um asceta que estava empenhado em desenvolver, através da meditação, a profundidade de sua consciência.

Todos os dias esse asceta esperava os primeiros raios de sol, e, utilizando um banquinho, ia se sentar em frente a uma enorme parede branca, fixando o seu olhar sobre ela até o sol se por. Então ele levantava-se de seu banquinho e agradecia aos céus por mais este dia, e seguia rumo a seu lar onde registrava suas experiências num pequeno caderno, e, em seguida, preparava-se para alimentar-se, banhar-se e descansar o seu corpo, até que um novo amanhã surgisse e houvesse um novo encontro com a parede branca.

Um certo menino, que também fazia um trabalho ascético para desenvolver a observação, via aquele asceta, diariamente, prostrar-se frente ao muro e lá permanecer até o cair da tarde. E, movido por sua curiosidade, não resistiu à tentação e foi indagá-lo sobre seus motivos e propósitos, bem como resultados de seu trabalho.

Num ato de impulso, que quebrou a sua timidez, aproximou-se daquele homem e lhe disse: eu venho aqui todo o dia e o vejo nessa posição, sem se movimentar, e, como trabalho a observação, tentei fazer o mesmo que você. Mas não consegui. Fiquei fitando o vazio, sem produzir algo diferente. Por isso nada coloco em minhas anotações, já que tudo é vazio.

O homem interrompeu a sua meditação, franziu a testa e esboçou certo tom de desaprovação, por ter que parar o que estava fazendo. Então perguntou ao menino: “o que estás me dizendo é que me observas, mas não vês nada de diferente em mim, não vês o que vejo e não consegues chegar a nada, senão o vazio”?

O menino lhe ascendeu positivamente com a cabeça. O homem lhe respondeu que o que ele buscava, ao fitar a parede, é tão somente aprofundar o seu olhar e aprender a ver. Ao fitar a parede, ele viu uma fenda. E passou a dirigir o seu olhar sobre ela. Para ele, olhar a fenda, existente naquela parede, lhe dava inspiração para trabalhar a si mesmo, em seu dia a dia. Aprendia desvendar-se mais e mais.

O asceta acabou confessando que, de início, olhava a fenda e não conseguia avançar o seu olhar, e, assim como o menino, tudo, para ele, era um vazio. Mas ele insistiu naquele olhar, pois a fenda lhe mostrara como algo pode se transformar de modo sutil, porém profundo”.

O Mestre disse a seus adeptos que assim como esse asceta, muitos homens se preocupam em querer enxergar a mudança nos outros, através de seus atos e movimentos. Ele explicou que as verdadeiras mudanças não se iniciam por atos e movimentos, mas pela busca da profundidade, frente à imensidão de si mesmos.

Quando o buscador encontra a fenda e a diferencia das demais partes da parede branca, observa que esta começa a mudar, sem que os seres humanos percebam essa mudança. Muitas vezes, os seres humanos ficam alheios a essa transformação, porque seu foco não está na fenda, nem sequer na própria parede branca, grande demais para permitir um olhar contínuo sobre ela.

Disse o Mestre a seus adeptos, que os seres humanos costumam observar no outro seus atos e movimentos, mas não chegam a compreender porque aqueles que mais se debatem, que mais agem, que mais se movimentam, são tão mais vastos que uma parede branca, porque não conseguem ver-se com profundidade.

O Mestre lhes disse que, se quiserem aprender o dom da observação, não devem fixar-se em atos e movimentos, porque geralmente a verdade não está lá, mas, sim, na profundidade do seu ser.

O Mestre lembrou ser comum, entre os seres humanos, encontrarem-se frente a si como se estivessem frente a uma parede branca, como se esse fosse o seu futuro. Como não conseguissem enxergar a si mesmos, ficando inquietos, sentando-se em seus bancos e passando a dizer que sua visão não enxerga outra coisa senão o vazio. Que nada muda em suas vidas, que vivem sempre a mesma rotina.

Agindo assim, segundo o Mestre, esses seres perdem a profundidade de si mesmos, porque se deixam levar por suas emoções, que, para Ele, são vastas, vagas e, ao primeiro sinal de ventos a soprar, se perdem e se deixam flutuar por onde a brisa sopra.

Mas quando buscam colocar um foco em si mesmos, eles encontram as fendas, as feridas e também as soluções, as dores, os valores, porque estão mais profundos, entregando-se às suas verdades, uma vez que o sentir sempre sabe e jamais pára de evoluir.

O Mestre costuma lembrar que, se aprenderem com essas verdades, que emerge de seu interior, os seres humanos entenderão que jamais estão estagnados, mas continuam sentindo suas vidas, e, quando sentem, é chegada a hora de fazer os movimentos, caso não estejam anestesiados.

Ele diz a seus adeptos que tudo muda, tudo caminha, tudo se transforma e tudo evolui, porém é preciso se ter profundidade, frente à parede branca. O Mestre chama a esse procedimento de Lei das Escolhas, pois, do outro lado desta parede existe apenas um caminho, chamado de “a escolha certa”. Para isso, é necessário apenas um fluido divino, que é o único capaz de fazê-lo passar pela fenda e, daí em diante, poderá até pintar a parede de uma nova cor, criar novos muros ou talhar novas fendas.

Muitos tentam achar o caminho e se esquecem que, se não existisse a parede, achariam tudo sem sentido, como o fazem com suas vidas. E, quando se aprofundam em suas verdades, também encontram a si mesmos. Quando acham o fluído divino, trilham o caminho certo, recebendo, a partir daí, a certeza de que há um cajado para cada discípulo, oferendado por um Mestre.

Para Ele, quando fazem a escolha certa, são sempre bem-vindos, suas verdades são quase sempre certas, seus atos e movimentos permitidos, porque já chegaram ao Caminho. Mas, para receberem o cajado, devem seguir duas verdades maiores: observação e profundidade. Ultrapassado o umbral da parede branca, saberão que não estão sozinhos, porque outros seres também estão em busca de uma parede branca e, certamente, vão se encontrar para seguirem juntos.

E, naturalmente, eu acrescento: dispor do amor, da entrega, da dedicação de um Mestre, que ilumina o caminho e oferece uma caminhada compartilhada, cheia de experiências, que se escondem por trás de uma parede branca, que se revela ao início, sem sentido, sem mostrar as fendas, por onde todo o caminho deve começar.

A consciência surge de dentro para fora e não de fora para dentro. É preciso observar e aprofundar o que se apresenta, de início, um imenso vazio, cujas aguas profundas deixam de ser turvas e se tornam límpidas e por onde o caminho se apresenta claro e evidente. Para se chegar a essa clareza, é só seguir as fendas e tudo se dará por acréscimo.  

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Hanami

Kirschblüten – Hanami é um filme belíssimo. Uma história tocante, uma bela reflexão sobre o nosso tempo, marcado pelo individualismo. Sua trilha sonora é bonita, sua fotografia maravilhosa e seus atores e atrizes excelentes. Produção franco-alemã, de 127 minutos, filmado em 2008, recebeu, no Brasil, o sugestivo nome de Cerejeiras em Flor. Direção e roteiro da alemã Doris Dörrie, Música de Claus Bantzer, Fotografia de Hanno Lentz e Montagem de Inez Regnier e Frank Müller.

Comovente, o filme conta a trajetória de Rudi Angermeier (Elmar Wepper) e Trudi Angermeier (Hanellore Elsner) um casal de terceira idade que vive de forma rotineira e tranqüila, até que Trudi recebe a notícia de que seu marido está com uma doença que lhe dá poucos meses de vida. Os médicos a aconselham a tomar cuidado ao contar ao marido sua enfermidade. Eles sugerem que o casal aproveite os últimos momentos para viajar ou realizar alguns de seus sonhos.

Sem contar ao marido sobre sua doença, Trudi convence-o a saírem do interior da Alemanha e irem à Berlin para visitarem os filhos. Envoltos em suas vidas, os filhos consideram suas visitas verdadeiros incômodos. O filme leva ao espectador a pensar sobre as relações atuais entre pais nessa faixa etária e seus filhos adultos.

Em face do desencontro entre gerações, o casal resolve viajar para a região do oceano Báltico para aproveitar os momentos. O assunto morte vêm à tona, quando Trudi pergunta ao marido o que ele faria, se soubesse que iria morrer logo. Esse lhe responde que voltaria para sua casa e viveria de sua rotina, saindo para o trabalho todos os dias e retornando para ela ao cair da tarde.

A situação se complica ainda mais quando, inesperadamente, Trudi morre, deixando o marido aos cuidados dos filhos. Rudi se desespera pela ausência da esposa e procura reavivar experiências e redescobrir quem foi sua esposa. Suas lembranças o levam a conceber uma nova imagem para sua esposa, apaixonada pela vida e conseqüentemente pelo amor. Rudi lembra que sua amada tinha vontade de ir ao Japão para conhecer o Monte Fuji e visitar as cerejeiras em flor.

Aproveitando a presença do filho, que mora em Tóquio, Rudi se desloca para o Japão, como forma de resgatar o convívio com seu dileto filho, – Karl Angermeier (Maximilian Bruckner). Da mesma forma que os seus irmãos, Karl também não tem tempo e muito menos disposição para tomar conta do seu pai.

Solitário e vivendo numa terra estranha, Rudi começa a conhecer Tóquio por sua conta, ao mesmo tempo em que vê sua relação com o filho cada vez mais deteriorada. A cidade, que combina modernidade e tradição, o seduz e o assusta ao mesmo tempo. Buscando conhecer as Cerejeiras em Flor, por ocasião o Hanami, o festival das cerejeiras, conhece uma jovem de 18 anos, Yu (Aya Irizuki) e as coisas começam a mudar em sua vida.

Yu o introduz na arte do butô, uma dança que visa fazerem as sombras dos corpos humanos dançarem, simbolizando o lado oculto que não conhecemos. Yu também padecia da perda de sua mãe e ambos buscam se comunicar com seus entes queridos através da dança.

Como sua viagem se faz em homenagem à sua esposa, Rudi leva consigo, para dançar, as roupas e colares de sua amada, passando a vesti-los. Há um simbolismo em tudo isso, pois Rudy não sabe para onde foi sua esposa, depois de deixá-lo e, assim, ele deseja que sua esposa, do lugar desconhecido por ele, o acompanhe em suas experiências através das roupas femininas que veste.

Yu utiliza em suas danças o uso de um velho e ultrapassado aparelho telefônico, confeccionado ao tempo em que a discagem era feita por meio de um disco, que girava para acionar o número discado, como forma de tentar se comunicar com sua mãe desde a sua morte. Ao também tentar utilizar um aparelho telefônico semelhante, Rudi se dá conta que só pode adotar a dança e seu simbolismo, se começar a liberar a sua mente.

A amizade entre Yu e Rudi se desenrola dentro de uma preocupação, mantida pela diretora, de levar seus espectadores, a pensar sobre a perda e superação dos ciclos da vida.

Ambos resolvem visitar o majestoso Monte Fuji, na zona rural do Japão.

Mas a tentativa passa a ser sucessivamente frustada, pois o Monte permanece, por alguns dias, sem ser visto, em razão da existência de nuvens baixas. Mas Rudi insiste, até que, numa certa madrugada, ele acorda, abre a janela e consegue enxergar todo o explendor e opulência de suas formas. A Fotografia é impecável.

Rudi procura fazer um ritual, utilizando as técnicas do butô, em seqüências as mais bonitas do filme, quando sua imaginação o leva a dançar com sua esposa, até o amanhecer. Ao raiar do dia, Rudi deixa esta vida, agradecido e de bem com ela.

Para os críticos, o filme, apesar de uma proposta interessante, peca na seqüência de imagens, assim como de edição e, ainda, pela tentativa de a diretora imiscuir, numa só proposta, valores culturais germânicos e nipônicos.

Para mim acho que tais “críticas” são preciosismos de quem precisa provar que entende do que está analisando.

O filme deixou claro, para mim, uma pergunta fundamental, que poderia muito bem ser colocada nos lábios de Rudi mas que é pertinente a cada um de nós: “eu sei viver”? Ou apenas sobreviver?

Será que me deixo levar pela rotina, em razão da ausência de sonhos existenciais, ou sei dar à minha vida uma direção conseqüente e capaz de me tornar um ser feliz, apesar das agruras da vida?

Geralmente, quando temos uma vida pela frente, para ser vivida, nunca buscamos descobrir a essência da vida. Só quando estamos condenados à morte, como Rudi, é que saímos em busca dos valores essenciais que justificam a nossa passagem por este plano de existência.

Com efeito, quando ingressamos na chamada “idade madura” descobrimos que o importante não é termos emoções existenciais que nos fazem vibrar diante da vida. De nos sentirmos vivos. Mas, sim, os nossos sentimentos. Sentir, em lugar de emocionar-se.

O que nos mostra Rudi é que, enquanto esse viveu sob o domínio de suas emoções, ele sofreu e se abrigou na rotina para impedir as inconstâncias na vida. Mas quando passou a aguçar a sua busca em aprimorar os seus sentimentos, passou a ver a sua vida de forma diferente, deixando de temer o devenir, as inconstâncias e a também perceber, com sua sensibilidade, a magistral obra da natureza, a partir de valores que conformam sua espiritualidade.

Nos últimos tempos, tenho aprendido que o espírito que habita cada ser humano costuma falar com sua alma e sua personalidade através de diferentes maneiras, mas, de uma foma usual, raríssimas vezes utiliza a mente racional para fazê-lo, sendo mais usual utilizar-se dos canais da intuição, dos sentimentos e até mesmo do instinto.

Muitos de nós, assim como Rudi, prefere viver a sua rotina, dentro de sua paralisia humana, cativos que somos de nossos bloqueios e inibições, pois somos escravos de nossos medos, e onde gastamos uma grande quantidade de energia simplesmente para manter tais limitações em seu cativeiro.

Até que somos compelidos a enfrentar antigos padrões e estruturas que, durante um longo tempo, nos serviu como cativeiro para escondermos os aspectos menos agradáveis de nossa personalidade.

Através de nossas máscaras, que utilizamos em nossas profissões, filiações a nossas instituições, atitudes sociais, sorrisos afáveis e diplomacias, e de nossas rígida moral familiar, tão bem tratada pelo filme.

Até que a sensibilidade, para com os valores existenciais, nos faz romper com essas estruturas e as colocarmos fora, como roupa velha que não nos serve mais, principalmente diante de eventos desencadeantes, como foi a morte de Trudi para Rudi. A partir daí nos desfazemos de todas as estruturas que construímos no mundo externo para completar o nosso eu incompleto.

Mudanças internas provocam mudanças externas, como nas cenas em que dança o butô, porque algo dentro dele, assim como no interior de cada um de nós, atingiu o ponto de ebulição e já não pode ser contido.

Antes se fechando para vida, criando rotinas e guardando no interior de si o eu incompleto, chega o momento em que tudo eclode e desperta a consciência presente na vida de todos. O ideal de perfeição se acende, a noite escura é dispersada e se abre, no interior do ser humano, a fé no espírito de luta da vida que, dentro de seu ritual, chega ao esplendor quando nos ternamos verdadeiros em relação a nós mesmos.

Essa beleza o filme nos incita. Como diz a frase de um internauta: o filme é “Um canto a novos começos”.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A CABRA

Entre as muitas histórias, acerca de Gandhi, uma me vem à cabeça, neste momento.


Conta-se que, certa vez, Gandhi recebera, em sua casa, para uma reunião, os principais líderes da Revolução pró-independência da Índia. Todos reunidos, pauta em andamento, Gandhi recebeu a visita de um menino, que lhe cochichou alguma coisa ao seu ouvido. O Grande Marratma interrompeu a reunião e saiu às pressas, deixando a todos atônitos. O que aconteceu?, perguntavam. Todos foram à janela para ver Gandhi atender a uma cabra, que estava com dor de barriga.

Os presentes se olharam e perguntaram, de forma ironica:

Poxa, ele interrompe uma reunião com altos representantes do movimento para atender a uma cabra que está com coligas?

Muitos não entenderam o significado daquele gesto para Gandhi. No Mundo de Deus, nenhuma coisa é mais importante do que outra.

Muitas vezes ignoramos coisas pequenas, compromissos já assumidos, porque achamos que estamos dando importância às coisas relevantes, gesto que estaria justificando plenamente a sua omissão.

Quantas vezes um político ou um gestor vai de encontro a compromissos menores, já firmados, porque está agindo “em nome do bem comum" .

Tanto a democracia como o autocratismo usam o mesmo discurso: trabalham para o bem comum.

Mas, para mim, nenhuma causa, por mais nobre que seja, vale a quebra de cumplicidades estabelecidas.

Gandhi entendeu que dar a atenção a uma simples cabra é tão importante quanto discutir os destinos de sua Índia.

No Universo, criado por Deus, todos são iguais, perante o Criador. A diferença está nas formas como olhamos as situações que nos cercam: olharmos o universo manifestado com o que é invisível aos olhos e afeto ao coração.

Faltar a palavra empenhada, deixar de reconhecer tratos formulados, não dar importância às coisas menores, porque estamos tratando de questões maiores, em nome do benefício de todos, é permtir que nos deixamos impregnar pelo discurso coletivo, quando nossas intenções não querem outra coisa senão satisfazer a nossos desejos pessoais.

Gandhi se deu conta disso. E nós pobres mortais? Em que amparamos nossos discursos? No altruísmo e na reverência a todas as formas criadas por Deus ou no discurso inflamado, baseado em intenções de servir, carregando, de forma subjacente, nosso universo egocêntrico em busca de satisfação de nossos desejos?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O legado aos mais jovens e a espiritualidade

Fazendo um monólogo sobre a situação atual do Brasil, tenho me perguntado se não estou sendo moralista demais, quando analiso o legado que estamos deixando para nossas crianças. É que pessoas mais velhas, como eu, costumam considerar as suas experiências, trazidas da infância e da juventude, que constituem a sua realidade vivencial, para tentar entender o que se passa com essa nova juventude, que há de nos suceder na condução dos destinos deste País e de nosso Planeta. À guisa de tais elementos, no entanto, nós, mais velhos, estamos correndo o risco de parecermos caretas, conservadores em relação às transformações porque passa cada nova geração.

Nas escolas, alunos, até mesmo menores de 12 anos, começam a andar armados. Alunos agridem, fisicamente, professores e professores agridem seus alunos. Alunas são estrupadas por colegas. Alunos que incendeiam mendigos. Fora dos ambientes escolares, são deixadas em companhia de babás eletrônicas. Jovens que formam gangues, a princípio, para maior segurança, mas, depois, desvirtuam-se pelo caminho, intimidando os mais fracos e susceptíveis ao poder que emanam. Jovens que, em escala crescente, experimentam drogas como forma de escape de suas questões existenciais e em busca de conquistar um prazer imediato que, na maioria das vezes, culmina com a dependência e alienação.

Por certo que contam com exemplos pouco significativos para a sua formação psicológica, em meio a ambientes escolares e familiares desprovidos do principio da solidariedade. E, ainda, as deficiências de um sistema de ensino que enseja a falta de aulas e a fazerem passar de ano alunos sem estudar. Tudo isso em meio à remuneração deficiente de professores e a existência de um número expressivo deles que dão aulas de matérias as quais não possuem formação. A Escola não constitui um ente a parte, mas é resultado da interação que mantém com a sociedade que a criou e a alimenta. Muitos deles derivados de lares desestruturados, formados pela imaturidade emocional.

A falta de limites, impunidades para atos de desvios, geram comportamentos de arrogância, ausência de escrúpulos, como conseqüência da falta de noção entre o que é certo e o que é errado.

Nasce uma geração violenta, marcada pela a exacerbação de direitos individuais e a invasão sobre os direitos alheios. Ao chegar na vida adulta, esses adolescentes transformam essa transgressão em estatística. Neste momento, o caso Bruno invade as manchetes dos principais jornais do mundo, que vê estarrecido como os efeitos que a falta de afetividade, na infância, pode causar aos indivíduos quando alcançam a vida adulta.

No mesmo dia em que escrevo este artigo, domingo (11), um jovem é preso, em Alagoas por tentar estuprar uma idosa de 88 anos, na zona rural de Coruripe, a 85 km de Maceió. O que dizer desse fato? E dos valores existenciais presentes na vida deste jovem?

Paralelamente, a grande imprensa divulga os números de uma pesquisa disseminada pela Central de Atendimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Federal, durante o decênio 1997 a 2007. Os números mostram que, em média, dez mulheres são assassinadas por dia. A maioria vítima de crime passional.

No Rio de Janeiro é registrada uma vítima a cada 24 horas. Segundo uma pesquisa do Instituto de Segurança Pública do Rio, 128 mulheres sofrem ameaças de parceiros todos os dias. Quarenta e quatro são vítimas de tentativa de homicídio por mês. Delas, 45,8% conhecem os acusados, que não se conformam de terem sido rejeitados. Segundo conta uma vítima, que não quis ser identificada aos promotores da pesquisa, e que engrossa essas estatísticas: “Do beliscão e do puxão foi para o tapa, para agressividade mais forte. Quebrou o carro todo, me agrediu de várias formas com pontapé, soco. Foi quando eu resolvi denunciar”.

O resultado dessa escalada? Apesar da violência, muitas mulheres não conseguem romper o relacionamento. Muitas dependem psicologicamente ou financeiramente dos companheiros e desistem de prosseguir com as denúncias. “Terminei o namoro e hoje em dia eu consigo ter uma relação ótima, sem violência”, conta uma vítima.

No âmago desta realidade está a existência de indivíduos com baixa estima e a formação inadequada de ambientes familiares. E de suas conseqüências no ambiente escolar e social, onde as influências, o poder econômico e a impunidade estão presentes de forma subjacente.

Geralmente, a iminência de fatos, guardados na intimidade, virem a ganhar repercussão pública, constitui o estopim para descontrolados desatinos. É como se uma represa que, depois de rompida, carrega tudo o que esteve represado, levando com suas águas tudo o que se mantinha contido.

E essa contingência não é só privativa de alguns poucos, mas afeta o ser humano indistintamente. Quanto mais o ser teme a revelação de fatos que preferem permanecer escondidos, maiores são os desatinos, assim como maior será a tendência de ver a sua vida esmiuçada e transparente no domínio público.

Muitos que me lêem hão de perguntar: “o que eu tenho a ver com tudo isso? Se não fui eu que criei essa realidade, não estou diretamente envolvido, nem presencio a maioria dos casos de violência. Está longe de minhas experiências existenciais, longe dos meus olhos e fora dos ambientes que convivo”.

“Não existe o livre-arbítrio? Não seriam essas pessoas, diretamente envolvidas, responsáveis por tudo o que criaram?”, perguntam. “Então porque tudo isso tem a ver com a minha vida e com o meu destino?”

Somos parte de um Universo e, como a palavra já diz, uno, indivisível, conformado por partes que se complementam, para formar o todo, assim como uma puzzle, cujas peças, sozinhas, podem se bastar mas precisam de outras para formar o desenho final.

Somos parte de um todo e ao todo vamos, progressivamente, nos integrar. Sem perdermos a individualidade, porém fazendo parte de um esforço de concretizar uma obra que depende de encaixes.

O que podemos fazer para reverter essa tendência à violência que acomete a atual sociedade brasileira? Trabalharmos tanto espiritual quanto materialmente para revertermos o quadro em que se encontra a atual sociedade brasileira. Do ponto de vista espiritual, trabalhando para aumentar as boas energias e, do ponto de vista material, acabarmos com a impunidade e a ausência de limites na formulação das relações sociais.

Estamos acostumados a encarar a realidade dentro de uma lógica cartesiana que costuma separar a semi-consciência biológica de uma consciência humana. Vivemos trabalhando para fazermos plasmar um mundo idealizado e estável, ignorando a existência de um mundo instável e evolutivo que é alimentado por energias, de ordem eletromagnéticas. Tais energias emanam de uma só fonte, circulam, assumindo diferentes graduações, que vão das mais grosseiras às mais sutis, sem deixar de perder a integralidade e unicidade.

Aqueles que escolheram alguma forma de trabalhar a expansão da consciência e a encontrar estados não ordinários, para alcançar a dimensão espiritual, sabem da unicidade que une os homens. Ao alcançarem esta extraordinária lucidez, meditação, concentração e contemplação profundas, essas pessoas entram num estágio de abstração que lhes permitem sentir as dores que outras pessoas sentem, se tornando parte do outro.

Alcançam uma espécie de consciência transpessoal, onde predomina uma energia estática que lhe dão a condição de liberar-se de suas limitações humanas e lhes darem a certeza de estar em contato com a realidade divina. É uma experiência intransferível, que extrapola as estruturas e dogmas estabelecidos por igrejas e doutrinas. Essas pessoas aprendem a distinguir a realidade dinâmica ordinária dos planos transpessoais, descritos por Patrick Drouot, em sua obra “O Físico, o Xamã e o Místico”.

Esses estados, vivenciados por aqueles que alcançam uma realidade transpessoal, são alcançados por todos, durante o sono, embora a maioria não se aperceba das formas de contato que mantém, enquanto encontra-se fora de sua consciência biológica. Tudo isso está ao alcance de todos, como forma de realizarem o seu aprimoramento nas relações entre homens e o Universo, e, também, que sua evolução pessoal não é suficiente e que, para ser completa, necessita dos demais seres que o rodeiam para alcançar níveis mais elevados de evolução.

Enquanto o mal avança, ruidosamente, o bem se recolhe silenciosamente, para dentro do coração daqueles que buscam uma consciência mais elevada. Como diz Patrick Drouot: “a matéria não poderia existir sem uma consciência para percebê-la”.

Precisamos de novos líderes, mais preocupados com seus liderados do que com a sua própria satisfação de seus desejos. Precisamos de pessoas compromissadas com o desenvolvimento espiritual, que levem o equilíbrio à forma para evitar as dissociações patológicas. E não de maus líderes, que usam o domínio da força, da arrogância e da intimidação, convertendo-se em maus exemplos para os mais jovens.

Precisamos quebrar com o princípio grego dualístico vigente, dos pares de opostos, substituindo-o pela crença de que o universo é uno e não separado. E que, em decorrência, todos os atos de irresponsabilidade, de quem os pratica, estarão diretamente ligados à contingência de retornar a si mesmos, dentro da lei de causa e efeito, pois o Universo não é infinito e, portanto, tudo o que é feito em seus domínios volta a seu ponto gerador.

Para aqueles mais conseqüentes, com o que acontece, hoje, no Brasil, em relação à escalada da violência, resta a abertura de canais de discussões sobre as formas como podemos enfrentar, conjuntamente, os seus sintomas, de que pelo menos parte da população carece de um sentido mais transcendente para suas vidas e, também, que suas formas desarmoniosas de constituição colidem com o princípio da harmonia que rege o grupo humano a que pertencem.

A impassividade e o imobilismo podem parecer uma posição mais cômoda: a neutralidade. Mas logo-logo os efeitos desse imobilismo poderão reverter-se no agravamento dessa realidade que já atinge, de forma sintomática, a toda a sociedade brasileira.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Virtudes e espiritualidade

De volta às reflexões comportamentais, após a minha recente digressão no campo político, lembro-me do que dizia o escritor Fernando Sabino, de que escrever é a arte do monólogo. E eu digo, também, que escrever é a arte de aproximar, pela escrita, seres humanos que possuam afinidades.


Existe uma evolução natural nas relações, assim como existe uma evolução na condição humana, já que tudo evolui, tudo muda, tudo se transforma. A dor aparece, na vida de cada um, como forma de realizar o resgate de nossas dívidas existenciais, quando um ser humano teima em não realizar esse resgate de forma consciente e através de seu livre-arbítrio.

Na passagem por este mundo, queremos deixar nossas marcas, sermos lembrados com admiração e respeito, estabelecermos atalhos para não sofrermos, não sermos vítimas do destino. O acúmulo de riquezas serve para atender não só as necessidades de consumo, mas, também, como ícone para sermos lembrados para muito além de nossa passagem por esta forma de vida.

Mas as verdeiras mudanças espirituais não ocorrem porque temos virtudes que são usadas quando assim o desejamos. Muitos dizem: mas eu rezo tanto, eu sou bonzinho, respeito os demais, por que acontecem os revezes em minha vida? Não merecia passar pelo que estou passando.

Ser bonzinho para ganhar prêmios não é nada mais do que barganhar com a vida, dentro de uma relação de troca: eu te dou isso (sou bonzinho) e a vida me dá aquilo: dinheiro, estabilidade, saúde, status, poder, ascendência, condição de interferir na vida dos outros, simplesmente porque pratico virtudes.

Ser bonzinho não é condição para se alcançar maior desenvolvimento espiritual.

O Mestre Jesus, considerado o Mestre da Compaixão, têm o seu Reino de Amor para ensinar que, se amarmos a cada criatura ou coisa através de um amor puramente pessoal, um amor que esteja vinculado ao doar como forma de conceder, uma forma de amar que se compraz mais da sensação de amar do que com o bem de ser amado, nos afastamos de nossa real condição de ascensão espiritual.

Para nos ligarmos à grande corrente ascensionada do amor, temos que aprender a amar de uma forma tão inteiramente destituída de egoísmo, sem sentir angústia, sem se sentir atraída por recompensas muito maiores do que somos capazes de dar. Isso é viver a dimensão do amor superior, que nunca nos será tirado, nem elevado, nem rebaixado, nem qualquer outra pessoa poderá nos tirar do objeto do amor.

No caminho do desenvolvimento espiritual, não são os deveres, mas os desejos que devem ser gradativamente aperfeiçoados até a sua gradativa extinção. Os deveres devem ser cumpridos, sem se eximir, cada dívida humana tem que ser amortizada, para nos tornarmos almas livres. Os Mestres da Sabedoria nos aguardam ao longo de nosso caminho ou trajetória. A um dado momento eles nos tomam pelas mãos e nos ajudam a seguir pelo caminho.

Nosso trabalho consiste em conquistarmos os meios, porque, seguramente, Deus será quem nos indicará como usarmos as nossas conquistas. Nossas incompetências não servem de passagem para uma condição maior. Então temos que buscar a evolução fazendo o melhor de nós mesmos. Construirmos a nobreza de caráter e o equilíbrio da mente. Caso venha a falhar nisso, alguma coisa nos ficará faltando tal qual subir uma escada que está faltando um degrau.

Para aqueles que desejam embrenhar-se pelo caminho do desenvolvimento espiritual, algumas coisas são consideradas básicas, e, à medida que se os alcança, nos tornamos capazes de colher os seus frutos. São eles:

Pureza e paz, mente sã em corpo sadio, misericórdia no pensamento e na ação, bem como na palavra ou na escrita, ordem e limpeza, tanto na mente como no ambiente, tratamento justo e honesto no cumprimento das obrigações; e, principalmente, bondade simples para adoçar os relacionamentos humanos. Em duas palavras: nobreza de caráter e equilíbrio da mente.

Se cada um fizer a sua parte, estaremos, juntos, nos harmonizado com o meio e com o agrupamento que vivemos, dentro de uma condição mais solidária, pluralista e verdadeiramente favorável para que demos curso à evolução natural do ciclo da vida.